Na astrologia chinesa, o ano lunar de 2024 é considerado o Ano do Dragão. Assim como no horóscopo zodíaco, o horóscopo chinês é regido por 12 signos simbolizados por animais da cultura chinesa. Até a semana passada poderíamos considerar o dragão um estranho bicho que perambulava pelas fábulas, lendas e histórias de princesas, no entanto, uma descoberta recente de paleontólogos complementou a pesquisa sobre a existência dele no período Triássico, cujas características, que pareciam ser de um inconsciente coletivo distante, se tornaram realidade.
As primeiras representações de dragões provêm da China e datam de mais 6.000 anos. Foram descobertos em objetos cerâmicos e pequenos amuletos de jade. Em razão de seu porte e estatura, o dragão dividiu opiniões, ora sendo um leal guardião de tesouros e impérios, ora devastando povoados com sua brasa escaldante.
A exemplo da literatura cristã, a duvidosa lenda de São Jorge da Capadócia contra o Dragão distorce 'arquétipos' e encobrem uma interpretação que fica entrelinhas. Conta a lenda que sua mãe, nascida na Palestina, educou o filho na fé cristã. Jorge entrou para a carreira das armas e então, ganhou o título de 'santo militar', um santo padroeiro. Também é considerado um modelo 'virgem' masculino, o que é um tanto controverso, por isso para vincularem sua imagem ao homem másculo e guerreiro, tiveram de inventar um 'inimigo' implacável, que o transformasse num grande mártir cristão.
Há uma sátira contemporânea que sintetiza esse tipo de fábula infantil: "E finalmente, o príncipe chegou ao castelo com sua poderosa espada, mas foi a princesa quem salvou o dragão". A animação "Shrek" (2011) aborda muitas outras sátiras aos contos infantis, inclusive criando o personagem do dragão com uma fêmea que se casa com um burro.
A recém-lançada live action, da Netflix "Avatar, a lenda de Aang - o último mestre do ar" (2024), resgata o roteiro do mangá e da série do anime (2005) num compilado de episódios que discorrem sobre os mitos, arquétipos e aventuras oníricas no universo da filosofia oriental. Na mitologia chinesa, o Dragão simboliza abundância, sorte, prosperidade e fortuna. Ele é o mestre, a fonte do fogo, na nação dos Guerreiros do Sol. Ele não só domina a chama quente da paixão, como também a chama fria da consciência. Orientado, no mundo dos espíritos, pela figura do Dragão e guiado pelos seus profundos questionamentos, Aang, o avatar tem de enfrentar seus maiores desafios: o medo e as decisões entre o que escolher e o que renunciar.
A onipresença de seres e criaturas nas fantasias e ficções representam nossa necessidade em criar um mundo de imaginação e gostos em comum, onde o estranho, o exótico e o diferente ganham uma conotação afetiva, coletiva e convergente. Filmes como "Meu amigo Dragão"(2016),"Como treinar o seu Dragão 1, 2 e 3"(DreamWorks 2019) e a série "Príncipe Dragão" (Netflix 2018) são resultados de como esse estranhíssimo protagonista ganhou a simpatia de espectadores e de toda uma geração ocidental ainda um tanto alienada sobre os milhares de anos jurássicos e seus desdobramentos na mitologia oriental.
Sinais estelares indicam que a vida está em movimento, nada é estático, o mundo gira assim como as convicções engessadas, mal traduzidas e equivocadamente interpretadas.
Antes do Dragão ser morto por São Jorge, ele já era um mito importante nas celebrações e rituais chineses e sempre foi símbolo da imortalidade, da união dos contrários e do poder divino. Antes de Galileu ser obrigado a refutar suas teorias, ele comprovou que a Terra era redonda e que ela girava em torno do Sol. Antes de inventarem deuses transvestidos de humanos, os egípcios veneravam o Sol como uma entidade sagrada.
Revisitar o passado e investigar as profundezas de nossas origens é um exercício de aprendizado para projetarmos prosperidade e lucidez ao futuro, nos orientando, sempre que possível, através da filosofia, da história, das descobertas científicas e da Natureza para enfim, compreendermos melhor nossos maiores desafios.
Ilustração do anime japonês, "A viagem de Chirico" (2001).
*Tatiana Potrich é designer de joias e curadora de eventos culturais