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Dudão Melo
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Dudão Melo é Filósofo, Dj e pesquisador musical, atua como produtor cultural há 30 anos, além de fundador do Coletivo Superjazz e apresentador do programa de rádio Jazzmasters. / dudao.melo@gmail.com

De hoje e de ontem

A inspiração, as heranças e os legados deixados por Roy Hargrove

| 16.11.18 - 18:30

Roy Hargrove (Foto: divulgação)

Goiânia - A morte continua sendo uma grande estrela. Ou um grande clichê. Ou mesmo uma grande inspiração ou ponto de partida, dependendo de onde se quer chegar. Filósofos e pensadores como Thomas Hobbes ou Sigmund Freud por exemplo, tiveram nela ou nos medos criados e inspirados pela morte e suas consequências, um grande impulso para suas teorias, sejam elas do porque vivemos em sociedade ou porque podemos sonhar, desejar ou agir de forma tão inesperada, delirante ou irracional.  


E a morte também serve de inspiração para a produção cultural, claro, em suas infindáveis maneiras e formas de criação, como mote em milhares de enredos, temas, peças, quadros, filmes, músicas, livros, etc….e como não poderia deixar de ser, inspira até matérias e colunas em jornais como este que você está lendo agora.  

Nesse caso de hoje, duas mortes recentes me emocionaram  e instigaram a ponto de me fazer escrever  um pouco sobre elas e sobre a intrigante obra que havia por trás desses personagens e suas passagens para o andar de cima.  

Vou começar com a morte precoce do genial trompetista e produtor musical Roy Hargrove. Os ouvintes do programa de rádio que eu apresento, o Jazzmasters, com certeza devem conhecê-lo um pouco melhor e seu incrível trabalho como jazzista e band leader.

Mesmo morrendo ao 49 anos, Hargrove foi daqueles artistas que romperam barreiras estilísticas e deixaram uma produção impressionante, seja em volume, intensidade ou criatividade, ganhando  Grammys e inúmeros outros prêmios e funcionando como uma espécie de nova referência e paradigma estético para a produção de jovens músicos negros como ele, tanto nos EUA como ao redor do mundo.  

De talento ímpar e formação privilegiada, ele teve a “sorte”(quero tentar falar sobre isso de forma mais detida e “séria” em outra oportunidade)  de estudar em escolas importantes. A primeira  delas foi onde ele foi descoberto pelo grande trompetista Wynton Marsallis, a famosa Booker T. Washington High School for the Performing and Visual Arts. Fundada em 1892 no Texas, a Booker T.  é umas das mais célebres e pioneiras instituições de ensino dedicadas à população afro-americana nos EUA. Durante anos eles foram também um foco de resistência e produção cultural, atraindo jovens talentosos de diversas áreas, principalmente ligados ao mundo das artes.

Para quem não sabe, Booker T. Washington foi um dos primeiros líderes negros a ganhar espaço político e relevância cultural ainda no século 19, onde foi educador, escritor,  orador, empreendedor e idealizador de várias entidades e associações civis ligadas à população e a economia afro-americana. Também estudou nas prestigiadas Berklee College of Music de Boston, e na New School de Nova York, onde conheceu e estudou com inúmeros artistas com os quais ele viria a trabalhar depois.  

Hargrove vem da geração imediatamente posterior aos chamados Young Lions, jovens músicos puristas e talentosos, “encabeçados” por Wynton Marsallis e que ajudaram a trazer o jazz mais tradicional de volta à cena musical americana e mundial, depois que o Jazz Fusion se tornou uma espécie de pesadelo para os grandes músicos americanos. Seu longo legado fonográfico e autoral começou em 1990, com o seu primeiro álbum Diamond in the Rough e foi o prenúncio de uma produção impressionante, onde Roy lançou e participou de dezenas de álbuns, seja assinando ou participando, tocando, compondo ou arranjando para diversos outros artistas não só de jazz, seu principal  universo musical, mas também na Música Latina, no Hip Hop, no R&B e na Neosoul.  

E essa pluralidade é uma das suas maiores contribuições ao “mundo do Jazz”.  Ele talvez seja o maior nome, desde Miles Davis a romper com maestria, talento e autoridade todos esses estilos e mostrar para uma nova geração de ouvintes, que o mundo do Jazz era muito maior do que os tradicionais rótulos queriam lhe aprisionar.

Sua produção de Jazz “mais purista” é fantástica, onde ele gravou com os principais nomes vivos, começando la em 1991 com o genial Sunny Rollins até musicais da Broadway em homenagem a Louis Armstrong, passando por parcerias com Herbbie Hancock que lhe renderam um Grammy, entre centenas de gravações com jovens músicos ou figuras emblemáticas do jazz.  

Na música latina e Afro Cubana, apesar de menos numerosa, sua produção não foi menos importante, lhe dando um dos Grammys que ele ganhou pelo álbum Habana, de 1998.    

Mas talvez seja no final dos aos 90 e começo dos anos 2000 que estão algumas das suas contribuições mais impressionantes, onde ele foi um dos músicos mais influentes dentro do cenário da então  chamada nova “Black Music”, influenciando e atuando ao lado de grandes estrelas do Hip Hop mais sofisticado como QuestLove/The Roots, J Dilla ou da cena  Neosoul,  que ele ajudou a moldar ao lado de nomes como Erykah Badu, D’Angelo, Macy Gray, Robert Glasper entre outros, seja como músico solo convidado ou ao lado do seu projeto RH Factor. Isso sem falar nas suas participações em tributos especiais como a Fela Kutti ou seus inúmeros trabalhos com grandes orquestras ou lado de artistas mais conhecidos dentro do cenário Pop como Nile Rogers, do Chic.  

Mas o que talvez seja o mais importante nessas contribuições todas além do claro ganho técnico-musical desses artistas, foi ajudar toda essa geração da chamada “Black Music” contemporânea a entenderem que o que eles faziam também era parte do caldeirão do Jazz/Blues, que nada mais era do que a primeira forma de “Black Music” a fazer sucesso comercial na América, e que desse caldeirão inicial se originou  quase todos os outros estilos que conhecemos como pilares da musica pop de hoje, que vem la do Rhytm’n’Blues e depois chamado de R&B, do Rock, da Soul, do Funk, da Disco e de toda a música eletrônica contemporânea, da House ao Drum and Bass, e arrisco dizer passando até pelo Reggae, Dubstep e o Trap.    

Na verdade a comparação com Miles Davis talvez até possa ser considerada  imprópria ou superestimada por alguns mais clássicos ou conservadores, pois afinal, Roy Hargrove “não inventou” nada revolucionário dentro do seu instrumento ou “não criou” nenhum estilo novo dentro da música, mas com certeza, sua imensa contribuição nos ajudou a atender melhor o jazz como parte de todo esse cenário musical,  alegrando não só a milhões de ouvintes mas também levando a centenas de músicos e cantores a produzirem melhor e de forma mais consciente e criativa.      

Nessa interessante reportagem que selecionei (aqui), do jornal inglês The Guardian, você poderá conhecer um pouco mais da história desse grande trompetista, além de poder acessar links interessantes que mostram de forma cronológica alguns dos trabalhos mais relevantes realizados pelo músico.  Semana que vem falamos dessa outra morte importante a que me referi, ou quem sabe, de alguma outra coisa mais interessante….  

Quer conversar um pouco mais comigo ou dar alguma sugestão?  

Email: dudao.melo@gmail.com  

Instagram: @dudaomelo  

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Comentários

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  • 19.11.2018 16:45 Dângela Nunes Abiorana

    Grandes mestres se vão mais seu legado fica para quem sabe reconhecer, belo texto.

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Dudão Melo é Filósofo, Dj e pesquisador musical, atua como produtor cultural há 30 anos, além de fundador do Coletivo Superjazz e apresentador do programa de rádio Jazzmasters. / dudao.melo@gmail.com

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