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Washington Novaes
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Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 63 anos. / atendimento@aredacao.com.br

Ambientes Urbanos

Marco do saneamento e o desenvolvimento urbano

| 20.07.20 - 14:28 Marco do saneamento e o desenvolvimento urbano (Foto: João Novaes)Talvez a humanidade nunca tenha imaginado tempos tão distópicos quanto o vivido por todos neste instante! Talvez nem mesmo Camus, em seu celebrado livro “A peste”. Mas ao mesmo tempo, a pandemia traz a mudança de paradigmas e a consciência de uma nova era, que agora parecem realidades mais palpáveis! Nas últimas semanas os meios de comunicação têm repercutido muito a aprovação e sanção presidencial ao chamado novo Marco Regulatório do Saneamento Básico. Não têm acesso a água tratada mais de 35 milhões de brasileiros. Mais de 100 milhões de pessoas não têm serviço de coleta, muito menos tratamento de esgotos, ou seja, quase a metade da população do país! Mas infelizmente esses dados são quase universais : segundo a Unicef, duas em cada cinco pessoas no mundo não têm instalações básicas para lavar as mãos ( Agência Brasil, 22/03/20).

Ainda segundo a Unicef, 40 % da população mundial, ou 3 bilhões de pessoas não têm lavatório com água e sabão em casa e quase três quartos das pessoas nos países menos desenvolvidos  não têm instalações básicas para lavar as mãos em casa. Segundo este mesmo estudo, 47 % das escolas, que abrigam 900 milhões de crianças em idade escolar, não têm um lavatório adequado sequer! Nos estabelecimentos de saúde de todo o mundo, 16% não têm banheiros funcionais ou instalações para lavar as mãos nos postos de atendimento onde os pacientes são tratados.  Dados alarmantes para um momento como este, de enfrentamento de uma pandemia.

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), na média brasileira, 83,5 % da população é servida por rede de água e apenas 52,4 % tem o esgoto coletado, do qual somente 46 % é tratado, conforme dados divulgados em fevereiro deste ano. Esses números pouco mudaram ao longo dos últimos anos, segundo esses mesmos estudos, o que gera um alerta para essa lentidão, que pode levar ao não cumprimento das metas de universalização do saneamento até 2033, como preconiza o Plano Nacional de Abastecimento, de 2013.

Sob um primeiro aspecto, de tentativa de universalização de serviços tão primários, é louvável a aprovação do novo Marco Regulatório do Saneamento Básico! O governo espera entre 600 e 700 bilhões de reais de investimentos da iniciativa privada neste segmento. E a geração de 1 milhão de empregos ( UOL , 15/07/20) .  Vamos ver se a realidade vai condizer com a vontade dos governantes. Mas é preciso frisar que este novo marco regulatório trata de três assuntos distintos, mas que se intercruzam: 1) universalização de acesso à água potável; 2) universalização de acesso à coleta e tratamento de esgotos; 3) coleta e destinação do lixo.
Quanto ao primeiro aspecto, o do acesso à água, para ter uma ideia, o País perde 38% de toda água potável, tratada e pronta para ser distribuída. Isso representa R$ 12 bilhões, o equivalente a todo investimento que o setor tem feito por ano. "Em alguns Estados, essas perdas chegam a 70%", diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. Já a CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou recentemente um estudo que estima que quatro em cada dez litros de água tratada são perdidos no Brasil antes de chegar à população. Ainda conforme a Confederação, 34 milhões de brasileiros não têm água encanada e quase 40% dos recursos hídricos perde-se por desvios e infraestrutura deteriorada.

Adentrando o segundo aspecto do marco regulatório, os prejuízos causados pela falta de saneamento vão além dos mostrados quanto aos recursos hídricos. Em 2018, último dado disponível, o Brasil registrou quase 5 milhões de Doenças Diarreicas Agudas (DDAs), segundo o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria de infraestrutura InterB. Ele explica que, entre 2010 e 2018, o número de casos dessa doença cresceu 2,15% ao ano - acima da expansão da população, de 0,8%. Se for feita a conta de que em média uma só pessoa defeca entre 250 e 300 gramas por dia, ao longo de um mês são 9 quilos de excrementos por pessoa por mês. Ao longo de uma vida, uma só pessoa terá sido responsável por quase sete toneladas de excrementos, se tomarmos como média de expectativa de vida 75 anos de idade. Se esse número for multiplicado pela população planetária, de mais de 7 bilhões de pessoas,  o leitor terá uma ideia da montanha de rejeitos e eflúvios que o mundo tem que lidar cotidianamente.

Quanto ao terceiro aspecto do novo marco regulatório, o que trata da coleta e destinação do lixo, o projeto vem para cobrir uma data de outro antigo marco regulatório para os lixões, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que foi aprovada em 2010 e determinava que todos os lixões do país deveriam ter sido fechados até agosto de 2014. Sucessivas prorrogações desse prazo já foram dadas através de diferentes novas leis. E infelizmente, hoje, quase 3 mil lixões continuam por aí poluindo o ar, as águas, o solo, e atraindo vetores que espalham doenças. Pelas novas regras, todos os municípios deverão apresentar até o último dia de 2020 um plano para acabar de vez com os lixões e como pretendem financiar isso. Eventualmente, com a criação de uma taxa. Em agosto de 2021, termina o prazo para que todas as capitais e cidades das regiões metropolitanas resolvam o problema. Depois delas, a data limite para os municípios com mais de 100 mil habitantes será em agosto do ano seguinte. Em 2023, para os municípios com população entre 50 mil e 100 mil. E em 2024, para aqueles com menos de 50 mil habitantes. Portanto, o novo prazo dado, até 2024, pode ser só mais uma data não cumprida. Ou seja, o prazo foi estendido por 10 anos da expectativa inicial, que previa a solução do problema para 2014. Tomara que desta vez se cumpra!

Com uma série de novas regras para o setor, o novo marco legal do saneamento básico prevê a abertura de licitação para serviços de água e esgoto, autorizando a entrada da iniciativa privada nas concessões, facilita a privatização de estatais de saneamento e dá um prazo maior para os municípios acabarem com os lixões, entre outras medidas. De uma maneira geral o projeto joga ainda mais peso sobre a ANA (Agência Nacional de Águas) , que passará a ter ainda mais responsabilidades. Resta saber se haverá investimentos de mesma proporção nesta Agência para sua reestruturação, de forma a aumentar sua capacidade operacional, melhorar sua capacitação e a fiscalização de tantos novos contratos que ficarão agora sob sua guarda.

Bolsonaro barrou 11 trechos do novo marco regulatório do saneamento, entre os quais o polêmico artigo 16, que garantia aos governos locais, até 2022, a continuidade dos chamados contratos de programa e o subsídio cruzado para empresas estatais. Contrato de programa é um instrumento jurídico que estabelece as condições de um acordo comercial entre dois entes da federação ou consórcio público para prestação de serviços. Na prática, o mecanismo cria a possibilidade de contratação de uma estatal sem que, para isso, haja necessidade de processo licitatório. O artigo 16 havia sido fruto de um acordo entre governadores e prefeitos e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ou seja, esse veto ainda vai ser fruto de muita discussão na volta do projeto à Câmara dos Deputados, para derrubada ou não desses vetos.

O acesso à água, a coleta e tratamento dos esgotos e a coleta e destinação do lixo com toda certeza figuram entre alguns dos maiores problemas da humanidade. Não é a toa que o bilionário Bill Gates investiu 200 milhões de dólares através de sua fundação para a criação de protótipos de privadas, pois o saneamento é um luxo e um enorme problema de saúde pública principalmente em países da África, mas também no Brasil e em várias outras partes do mundo. Bill Gates acha que os vasos sanitários são um negócio sério e está apostando alto que uma reinvenção desse conforto essencial pode salvar meio milhão de vidas e gerar uma economia de cerca de 235 bilhões de dólares (880 bilhões de reais). O bilionário filantropo destinou milhões de dólares durante sete anos para financiar pesquisas sobre saneamento e apresentou 20 novos projetos de vasos sanitários e processamento de resíduos que eliminam agentes patogênicos prejudiciais e transformam os dejetos corporais em água limpa e fertilizantes ( El Pais 07/11/18).

 O novo marco regulatório do saneamento básico vem para tentar solucionar os problemas de acesso à água, coleta e tratamento de esgoto e do lixo em nosso país. Mas algumas dúvidas além das já levantadas quanto ao novo prazo para os lixões, ainda pairam quanto a estes outros dois problemas. Enquanto o país passa a enxergar a privatização desses serviços como uma solução de ouro para os mesmos, diversos países da Europa e do mundo e cidades como Paris e Berlim estão em sentido contrário, reestatizando seus serviços de água e esgoto, após fracassadas tentativas de privatização de serviços essenciais à humanidade.
 
Washington Novaes é jornalista – wlrnovaes@uol.com.br
A “Ambientes urbanos” é fruto de uma parceria entre o Instituto Rizzo e o Jornal A Redação.



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