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Washington Novaes
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Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 63 anos. / atendimento@aredacao.com.br

Ambientes Urbanos

A boiada passou e alguém foi pisoteado

| 05.08.20 - 17:23 A boiada passou e alguém foi pisoteado Aritana Yawalapiti morreu vítima da covid-19 (Foto: reprodução/Twitter)
Estudos indicam que o Governo Federal acelerou canetadas sobre meio ambiente durante a pandemia Levantamento mostra explosão de atos do Executivo sobre questões ambientais entre março e maio e indica boiada defendida por Salles. (FSP 28/07/20). Segundo o levantamento feito pela Folha de São Paulo junto com o Instituto Talanoa, entre março e maio deste ano, o Executivo federal publicou 195 análises sobre temáticas ambientais, o que aponta que uma parte dessas medidas infralegais tentou mudar o entendimento da legislação vigente. O resultado desse levantamento corrobora o que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu na já famosa reunião ministerial de 22 de abril, cujo teor somente veio a público no mês seguinte, após decisão do Supremo Tribunal Federal. "Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", afirmou Salles no encontro. 
 
Entre estas medidas contestadas, estão decisões que repercutiram na imprensa e foram repudiadas pelo Ministério Público Federal e pela Justiça, como a reforma administrativa do ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país. Esta famigerada reforma destituiu gestores mais do que especializados e centralizou a administração das unidades de conservação nas mãos de cargos ocupados por militares. A decisão é alvo de inquérito civil público. A análise também revela "boiadas" que passaram mais despercebidas. Como a instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que cria uma brecha que, na prática, facilita a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas. Em outra decisão, publicada em maio pela portaria 432/2020, o ICMBio centraliza a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de duas bases avançadas do órgão na região, onde há registros recentes de invasão de garimpeiros. Duas "boiadas" que vieram a público e contaram com reações expressivas acabaram suspensas. O governo recuou sobre a decisão que anistiava desmatadores da mata atlântica após manifestação do Ministério Público Federal. Outra medida suspensa, dessa vez pela Justiça, foi a transferência do poder de concessão de florestas para o Ministério da Agricultura. Raoni  Rajão, pesquisador da UFMG, diz que, independentemente do número global de atos, 2019 também teve ações de desregulação, como o núcleo de conciliação de multas, que, na prática, acabou por tornar ainda mais lento o processo de cobrança das multas.  
 
 Não é a toa, que o Brasil registrou 24 mortes de ativistas ambientais em 2019. (UOL / Estado de São Paulo, 28/07/20) . O Brasil figurou entre os três países com maior número de mortes de ativistas ambientais em 2019. O dado faz parte de um relatório anual da organização Global Witness, que faz o levantamento sobre ataques contra defensores da terra e do meio ambiente. Em 2019, 24 ativistas foram assassinados no Brasil. Em 2018, esse registro havia chegado a 20 vítimas, conforme os dados da organização internacional.
 
Esses são alguns dados sobre a passagem da boiada! Enquanto isso, 42 bilionários lucram 34 bilhões de dólares e quase 100 mil morrem na pandemia. É isso mesmo, a pandemia gerou lucro para 42 bilionários brasileiros, aponta pesquisa da Oxfam! Bolsonaro foi denunciado pela segunda vez no Tribunal de Haia por negligência no combate à COVID-19. E  ainda tivemos recentemente o ex-presidente da Colômbia, Juan Manoel Santos, prêmio Nobel da Paz, dizendo que política ambiental de Bolsonaro pode prejudicar toda a América Latina. E pode mesmo!
 
 Já nos EUA o pensador Noam Chomsky alerta que enquanto milhões perdem emprego, Trump usa Covid para enriquecer bilionários! “Estão descontrolados e usando a pandemia como disfarce para enriquecer, fazendo de tudo para manter o neoliberalismo e a concentração de riqueza." Enquanto milhões de pessoas nos EUA perdem seus empregos e encaram despejos devido à crise econômica criada pela pandemia, o 1% viu um aumento massivo em sua riqueza, com o fundador da Amazon e a pessoa mais rica do mundo, Jeff Bezos, recentemente adicionando estimados 13 bilhões de dólares ao seu patrimônio em um único dia. É uma outra boiada descontrolada: a da especulação financeira , que não parece nada disposta a mudar de rumo , mesmo num mundo pós-pandemia.
 
Um novo estudo do “Americans for Tax Fairness” descobriu que os bilionários dos EUA acrescentaram 584 bilhões de dólares às suas riquezas pessoais desde março. Esse é um montante ainda maior do que os déficits orçamentários de 23 dos estados da nação. Eles estão lucrando no meio de uma pandemia, quando na verdade seriam  necessários pacotes de estímulos para ajudar os mais pobres, que estão sendo esmagados, que serão despejados, uma situação econômica sobre os desempregados em um nível só comparável  ao da Grande Depressão de 1929. 
 
Mas voltando ao Brasil, Servidores do Ibama alertaram para “aprofundamento” de crise ambiental . Em carta endereçada a Mourão, Toffoli, Maia e Alcolumbre, agentes ambientais denunciam "colapso da gestão federal" ( Veja, 22/07/20) .Mais de 500 funcionários do Ibama assinaram uma carta alertando para o perigo de “aprofundamento” da crise ambiental no Brasil como consequência do “colapso da gestão federal” e do “estímulo” aos crimes contra o meio ambiente se medidas emergenciais não forem tomadas nos próximos dias. No texto, os servidores criticam a “desestruturação” do Sistema Nacional de Meio Ambiente que, segundo eles, “agravou o cenário de desmatamento, degradração e incêndios florestais”. O texto destaca ainda a “contínua ascensão do desmatamento” na Amazônia e alerta para o prejuízo econômico que a degradação ambiental pode gerar, como fuga de capital estrangeiro e interrupção de negócios do comércio exterior.  No documento, os servidores também se queixam da perda de protagonismo nas ações de combate ao desmatamento para as Forças Armadas. 
 
Ao mesmo tempo, investidores internacionais descartaram a gigante brasileira JBS de seus portfólios de investimento por falta de compromisso com questões de sustentabilidade (The Guardian , 28/07/20) .  O braço de investimentos da Nordea Asset Management,o maior grupo de serviços financeiros do norte da Europa retirou a JBS , a maior processadora de carne do mundo, de sua lista de investimentos.  A Nordea controla um fundo de 230 bilhões de euros. E é só um entre muitos outros fundos de investimento que estão passando a enxergar empresas brasileiras como tóxicas devido a falta de comprometimento socioambiental. A decisão da Nordea se deu em detrimento dos vínculos do gigante da carne com fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia e escândalos de corrupção anteriores, entre outras frustrações.  Ainda no ano passado a Nordea suspendeu a compra de títulos do governo brasileiro após a crise na Amazônia. Mas este alerta não parece ter sido suficiente. 
Mas não são só os estrangeiros que se queixam, da gestão ambiental do atual governo: em carta a Mourão, CEO´s brasileiros também pediram combate ao desmatamento . Líderes de 38 grandes empresas e quatro entidades setoriais pedem providências contra desmate (Valor , 07/07/20)  ao presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o vice-presidente Hamilton Mourão. Os empresários se declaram preocupados com as reações negativas de investidores brasileiros ao desmatamento da Amazônia, reafirmam seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e listam os eixos de ação que consideram fundamentais - do combate “inflexível e abrangente” ao desmatamento ilegal na Amazônia e nos outros biomas brasileiros, à inclusão das comunidades locais e à valorização da biodiversidade. Pesquisas de imagem do Brasil no exterior indicam a má reputação do governo Jair Bolsonaro com três desdobramentos, na seguinte ordem: o desmatamento da Amazônia, a falta de respeito e apoio aos povos indígenas e à forma como a crise da covid-19 vem sendo enfrentada. Há algumas semanas, carta assinada por 29 instituições financeiras que gerenciam US$ 3,7 trilhões em ativos alertou o governo brasileiro que ou corte o desmatamento ou enfrentará a dúvida de investidores sobre colocar recursos no Brasil. A lista cresceu. Agora já são 32 investidores com patrimônio alcançando US$ 4,5 trilhões. O que fez até o ministro Paulo Guedes mudar seu discurso ambiental.
 
A sucessão de ameaças à retirada de investimentos, de boicote aos produtos brasileiros e de o acordo Mercosul-União Europeia não decolar acendeu a luz amarela ao empresariado.  “O Brasil tem uma oportunidade imensa, que tem que ser colocada em perspectiva. Pode se tornar uma grande potência ambiental mundial", diz Walter Schalka, presidente da Suzano Papel e Celulose. Segundo ele, “o Brasil tinha uma imagem, desde a Rio 92, de estar em um processo de evolução na questão ambiental. Infelizmente, a percepção global não é mais positiva em relação a isso.” Clark alerta que o mundo, depois da pandemia, dará grande valor para cadeias de valores sustentáveis e que a tendência de rastrear as origens da produção será ainda mais forte. “É a economia da integridade. Consumidores e investidores, cada vez mais, querem cadeias éticas e sustentáveis de valor, que carregam credibilidade, respeitam os direitos humanos e a preservação da natureza.”. Mas mesmo após uma série de pressões de investidores nacionais e internacionais por ações para a preservação da Amazônia, o mês de julho fechou com uma alta de 28% no total de focos de incêndio na floresta, na comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo dados divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). É o pior dado desde 2017 ( UOL / Estado de São Paulo 01/08/20).
 
Mas para que não se diga que só temos notícias desalentadoras, a transição para economia verde criaria 15 milhões de empregos na América Latina e Caribe até 2030. Relatório de Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que a transição para uma economia de zero emissões líquidas provocaria o desaparecimento de cerca de 7,5 milhões de empregos no setor elétrico baseado em combustíveis fósseis, na extração de combustíveis fósseis e na produção de alimentos de origem animal. No entanto, essas perdas seriam mais do que compensadas: 22,5 milhões de empregos seriam criados nos setores de agricultura e produção de alimentos baseados em plantas, eletricidade renovável, silvicultura, construção e manufatura.
 
Outro alento nesta reconstrução de imagem que o país terá que fazer, queira ou não, perante compradores e investidores internacionais é saber que uma gigante chinesa vai rastrear a origem da soja para evitar compras em áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado. A Cofco International da China verificará compras agrícolas do Brasil por danos ambientais. A Cofco International Ltd.é o braço de comércio global da maior empresa de alimentos da China. E prometeu rastreabilidade total de toda a soja que compra diretamente de agricultores no Brasil até 2023. A empresa promete rastrear mais de 50% de suas compras de soja no Brasil em 2020.   Vale lembrar que a China é a maior compradora da soja brasileira. A rival da Cofco, Louis Dreyfus Co., disse em seu relatório anual de sustentabilidade esta semana que conseguiu rastrear cerca de 30% de suas compras diretas de soja no Brasil em 2019 e se comprometeu com a rastreabilidade de 50% em 2020.A Cargill Inc., maior trader agrícola, disse nesta semana que mapeou 100% de sua base de fornecimento de soja no Brasil, o que significa que possui uma localização geográfica para as fazendas em que comprou e para os intermediários de quem comprou soja.  
 
O fato é que o mundo está mudando cada vez mais em direção à sustentabilidade, uma economia de baixo carbono e com maior comprometimento socioambiental por parte de pessoas, empresas, governos e terceiro setor.  E o Brasil precisa mudar urgentemente de rota se não quiser enfrentar o colapso de suas maiores commodities: a soja e a carne. A boiada do ministro do meio ambiente continua a passar  e quem sai mais pisoteado é o agronegócio brasileiro! E a própria economia do país! Mesmo com todo o cenário de caos mostrado neste artigo o ministro defende abertamente a redução das metas de desmatamento da Amazônia! Agora é mitigar o dano. È urgente uma mudança de rota e a reconstrução internacional da imagem ambiental do Brasil, pelo bem da economia já tão abalada em meio à pandemia. 
 
Este artigo já estava pronto para publicação quando soube hoje pela manhã da morte de Aritana, líder Yawalapiti e meu amigo! Aritana me ajudou muito quando produzi a série “Xingu – a terra mágica” em 1986 para a TV Manchete! E 20 anos depois também, quando voltei com minha equipe ao Parque do Xingu para mostrar as transformações e pressões sofridas pelos indígenas na série “Xingu – a terra ameaçada” para a TV Cultura. Aritana foi uma grande liderança , não só de seu povo, mas de todos os xinguanos! Sua sabedoria e conhecimento das tradições vão fazer muita falta ! E sua morte é mais uma evidência de que os povos indígenas brasileiros, a Amazônia e o Cerrado estão clamando por socorro !   
 
Washington Novaes é jornalista – wlrnovaes@uol.com.br
A “Ambientes urbanos” é fruto de uma parceria entre o Instituto Rizzo e o Jornal A Redação.
 

Comentários

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  • 17.08.2020 08:36 Renato Rizzaro

    Bom dia Uóxito. Que bom te encontrar novamente. De tudo o que foi dito e pesquisado, penso que focar na soja e no boi é perigoso demais, ou, pelo menos frágil diante de todo o que está havendo no mundo. Ontem assisti a um video sobre o Fracking nos EUA e de como está a produção de gás e petróleo em relação ao mundo e isso é um tanto assustador, já que estamos querendo falra em redução de emissões. Este petróleo está sendo exportado! E pra onde? Se puderes, assista: https://ecofalante.org.br/filme/a-nova-era-do-petroleo Outra coisa importante que tem acontecido e merece um cementário seu (na verdade espero que faças uma análise é o que saiu neste outro video: https://youtu.be/zVhn9WT-Xqg E por fim, estou deveres triste e muito preocupado com a morte de Aritana, pois um povo que já foi massacrado e conseguiu sobreviver, estar sendo pisoteado sem dó por um governo mortal como o que estamos vivendo, pode ter consequências irreversíveis. Um forte abraço e desejo saúde e muita força pra ti, meu querido Uóxito!

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Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 63 anos. / atendimento@aredacao.com.br

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