Carolina Pessoni
Goiânia – Imagine uma biblioteca com grande acervo e completamente acessível a deficientes visuais. Esse lugar existe e funciona bem no meio de Goiânia, no Centro Cultural Marietta Telles Machado, localizado na Praça Cívica: a Biblioteca Braille José Álvares de Azevedo.
A Biblioteca Braille é o resultado da luta dos deficientes visuais do Estado pelo acesso à informação. É considerada a única do Centro-Oeste com este nível de organização. Tem como missão “dar oportunidade às pessoas com deficiência visual do Estado de Goiás a universalização do acesso ao conhecimento como instrumento para a construção de sua cidadania”.
Foi criada em 1983 pela Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg), em 1983 como uma biblioteca comunitária e funcionava na sede da própria entidade. Em 13 de setembro de 1989 foi registrada no Instituto Nacional do Livro (INL), na categoria especial.
O gestor administrativo da Biblioteca Braille, Adelson Alvez, participou de todo o processo de criação do espaço e conta que em 1989 teve estrutura, espaço físico e servidores incorporados ao projeto Imprensa Braille. “Nesse ano, o então governador Henrique Santillo determinou que fossem adquiridos equipamentos na Alemanha para produzir materiais em braille. Eram os mais modernos do mundo, a primeira estrutura do tipo fora da região Sudeste.”
Até 1990, a biblioteca funcionou no Centro de Apoio ao Deficiente Visual, na Vila Nova. Em 1991, foi transferida para o Colégio Estadual Bernardo Sayão e, finalmente, em 1992, foi instalada no prédio da Fundação Cultural Pedro Ludovico (hoje Centro Cultural Marietta Telles Machado), na Praça Cívica.
Adelson Alvez é o gestor administrativo da Biblioteca Braille (Foto: Letícia Coqueiro)
No ano seguinte, a Associação dos Deficientes Visuais propôs que a Braille se tornasse uma seção da Biblioteca Pio Vargas. Para isso, a associação doou todo o seu acervo à Braille, um total de 3.224 volumes. Com o decreto de criação da agência, a Braille ganhou o status de biblioteca e tornou-se uma unidade do Estado.
“Em 2005, a associação levantou recursos junto ao governo do Japão para uma reforma completa do espaço. Compramos equipamentos, adequamos toda estrutura física e a administração ficou por conta do Estado”, lembra Adelson.
A Biblioteca Braille possui 260 usuários inscritos e frequência média de 300 atendimentos mensais, sala de leitura e computador adaptado para atender aos deficientes visuais, além de funcionários conhecidos como ledores, prontos para realizarem a leitura para os frequentadores. O público é formado por pessoas com deficiência visual da Grande Goiânia, do interior do Estado de Goiás e de outras regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste; estudantes do ensino fundamental até a universidade, sendo que a maior demanda vem de alunos do ensino superior.
O acervo é composto 4 mil exemplares, mil títulos em áudio, 30 mil livros no formato digital e 200 títulos em formato daisy. Tanto o acervo em braille como a audioteca estão disponíveis em listas no word para serem consultados pelos usuários. São obras didáticas, literárias e de assuntos gerais, como filosofia, psicologia, sociologia, direito, educação e outros. Todo o acervo foi adquirido por meio de doação.
(Foto: Letícia Coqueiro)
A Biblioteca disponibiliza dez computadores com leitores de tela destinados ao uso de pessoas com deficiência visual. Os estudantes podem fazer seus trabalhos escolares de forma independente, recebem treinamento no uso dos recursos específicos e adequados às suas necessidades, e podem usufruir de acesso à internet para atualizar conhecimentos em livros no formato digital, acessar e-mail, blogs, redes sociais e interagir de modo autônomo com o mundo virtual.
A Biblioteca dispõe ainda de uma impressora Braille, para a impressão de pequenos textos literários e informativos, além de um scanner com funções para digitalizar no formato PDF acessível e saída em áudio.
Educação, cultura e acessibilidade
Mais que um espaço de estudo, a Biblioteca Braille é preocupada em pensar o lugar como um espaço de convivência e encontros. “Hoje não falamos mais só em livros, estamos procurando um outro jeito de ser, preocupados em proporcionar um local de trocas, aprendizado e diálogo com todas as formas de expressão e cultura”, explica Adelson
O gestor administrativo destaca que o objetivo é construir na Braille uma ação mais holística. “É um esforço que temos feito para transformar a biblioteca em um lugar em que as pessoas se sintam estimuladas a crescer e a pensar fora da caixinha.”
(Foto: Letícia Coqueiro)
Além de gestor, Adelson é o usuário de número 001 da Biblioteca Braille e conta que a construção do espaço foi uma “construção coletiva”. “Quando eu saí do ensino primário, não havia escolas adaptadas para deficientes visuais. Então, eu tinha duas escolhas: ou ir para o Rio de Janeiro e estudar no Instituto Benjamin Constant, que tem toda a estrutura; ou ficar em Goiânia e não fazer nada. Eu resolvi ficar, mas trabalhando em todo processo de organização da biblioteca”, lembra.
Ele conta ainda que tudo foi feito aos poucos, “inventando um jeito de catalogar os livros, estudando como fazer.” “Não havia muitas informações, então fomos criando nossa forma. Ocupar hoje esse cargo tem um caráter histórico e emblemático. A história dá voltas e estou de novo nessa missão.”
Retomada
Retomando as atividades da Biblioteca Braille, que ficou fechada por quase dois anos devido à pandemia de covid-19, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) de Goiás e a biblioteca realizaram na última terça-feira (12/4) um sarau, denominado "Diálogo poético musical à luz da arte goiana". O evento misturou música e poesia para demonstrar o poder da cultura literária e musical goiana.
A declamação das poesias ficou a cargo do poeta, professor e escritor Jean Jardim, acompanhado pelo grupo musical do Projeto Ciranda da Arte, Os Menestréis.