Carolina Pessoni
Goiânia - Base da mais pura história de Goiânia, a região central da cidade conta, em cada detalhe, um pouco da própria criação da cidade. Nesse sentido, a Praça do Cruzeiro, localizada no Setor Sul, é parte fundamental nesse contexto.
Um dos bairros mais tradicionais de Goiânia, o Setor Sul já estava previsto no projeto original da capital, feito pelo arquiteto e urbanista Attilio Correa Lima. O planejamento tinha o Centro como primeiro núcleo e, além dele, os setores Sul, Norte, Leste e Oeste.
Anos depois, o arquiteto Armando de Godoy assumiu a execução do plano com a elaboração do projeto do Setor Sul, bairro planejado segundo o conceito urbanístico das “Cidades-Jardim”, entre 1935 e 1937. A Praça do Cruzeiro foi idealizada também neste período, mas o local permaneceu sem urbanização até o final dos anos 1950.
A arquiteta e urbanista Marcia Guerrante, que é diretora de Arquitetura, Urbanismo e Paisagem da Associação Pró-Setor Sul (Aprosul), explica que em 1970 a praça ganhou um novo projeto urbanístico (de autoria desconhecida) que favorecia a convivência e a contemplação, determinando a implantação de caminhos, árvores, canteiros e jardins, espelho d’água e bancos. "O projeto valorizou ainda a representatividade do Cruzeiro de madeira preexistente no local, que foi reconstruído em concreto e revestido com pintura que incorpora cacos de vidro."
(Foto: Letícia Coqueiro/jornal A Redação)
Nesse mesmo ano, a praça recebeu oficialmente o nome de Comendador Germano Roriz, mas continuou a ser chamada carinhosamente pela população de Praça do Cruzeiro.
Conforme explica Marcia (foto), o traçado urbano peculiar do Setor Sul definido pelo plano de Armando de Godoy é constituído por unidades de vizinhança interligadas por jardins e praças, e articuladas por um traçado sinuoso onde a Praça do Cruzeiro exerceria, ao mesmo tempo, um papel de agregador de pessoas e de distribuidor radial do fluxo. "O urbanista – segundo a pesquisadora Tania Daher – insere a praça no traçado do bairro, criando um outro centro de caráter mais comunitário, diferente do centro administrativo, que era a Praça Cívica", ressalta Marcia.
Por muitos anos a Praça do Cruzeiro foi local de encontros, contemplação e diversão para crianças e adultos. "Depois, com o aumento do fluxo de automóveis em seu entorno e com a acessibilidade pouco favorecida para pedestres e pessoas de mobilidade reduzida, a praça foi perdendo um pouco esse papel agregador e de local de lazer."
No entorno da Praça do Cruzeiro, originalmente estava prevista a instalação de igreja, escolas, áreas de lazer e prática de esporte e residências. "Atualmente uma reforma a tornou novamente atrativa e relativamente mais segura, mas o acesso, em função do fluxo em seu entorno e agora com a instalação do BRT, ainda não é tão facilitado ao pedestre como o foi em outros tempos", destaca a arquiteta e urbanista.
O nome
Há duas versões para a origem do cruzeiro que dá nome à praça. Uma delas reza que ainda em 1933, antes mesmo da Praça ser construída, foi realizada no local uma missa campal. "Na ocasião, foi implantado, no lugar onde seria a futura praça proposta por Godoy, o cruzeiro de madeira. Segundo essa versão, desde então esse símbolo religioso referenciou o local como Praça do Cruzeiro", conta a diretora da Aprosul.
Uma outra versão, registrada em um documento assinado pela Divisão de Requalificação Urbana e Patrimônio do Município, datada de 13 de julho de 2010, afirma que “no local onde se encontra hoje a praça do Cruzeiro, havia na época da construção da capital um caminho (estrada) que a população local utilizava para passagem para campinas e, ali, existia uma cruz de madeira. Consta que foi mantida a cruz no projeto original de Goiânia na praça que receberia o nome de Cruzeiro.”
O Cruzeiro que dá nome à praça foi tombado em 1991 (Lei n°. 7.016, 11/11/1991). Em 2010 o Ministério Público promoveu a Ação Civil Pública de proteção que reconheceu a Praça do Cruzeiro (oficialmente denominada Praça Germano Roriz) como patrimônio histórico. Em 2014 foi assinado o Acórdão de Tombamento Judicial da Praça. Em 2017 foi feita sua inscrição no Livro do Tombo, "inscrição do Tombo de Parques, Logradouros, Espaços de Lazer".
Desenvolvimento
A diretora da Aprosul afirma que a Praça do Cruzeiro é um evidente marco histórico e cultural. "Seu valor, assim como o valor do bairro em que se insere – o Setor Sul – não está apenas no fato de ambos pertencerem ao projeto original de Godoy para a Capital, mas também por todo o significado e referencial de memória e pertencimento que carregam", afirma Marcia.
Vista aérea da Praça do Cruzeiro (Foto: Prefeitura de Goiânia)
A arquiteta destaca que a importância da praça, assim como de outros espaços verdes públicos urbanos, é social, ambiental, ecológica e também estética. "Eu diria que o principal papel de uma praça é contribuir para o desenvolvimento humano. Em um momento que a cidade cresce vertiginosamente e se desumaniza, o maior papel de uma praça é acolher, promover um espaço de contemplação, descanso e convivência em um contexto que prescinde de tudo isso."
E completa: "O entorno da praça hoje está ocupado por importantes pontos comerciais, uma escola e um clube tradicionais da cidade, uma igreja, dentre outros estabelecimentos que fazem com que ela e seu entorno todo tenham, todo esses anos, exercido sim importante papel na vida e no desenvolvimento da comunidade local e também da cidade."
Quem foi Germano Roriz
Comendador Germano Roriz foi o primeiro funcionário público a residir, com sua família, na capital. Ativista social-cristão recebeu a Comenda de Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno do Papa João XXIII, o mais alto título do Vaticano, em 1968.
Busto do comendador Germano Roriz, na Praça do Cruzeiro (Foto: Letícia Coqueiro)
Germano também foi o primeiro presidente do Conselho Metropolitano dos Vicentinos em Goiás, cargo que exerceu até a sua morte. Sob sua direção e por sua iniciativa, a Conferência de São Vicente de Paulo de Goiânia construiu a Santa Casa de Misericórdia, a Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, a Escola de Serviço Social e a Faculdade de Farmácia e Odontologia, que foi o embrião da Universidade Católica de Goiás. O comendador morreu em 1968.