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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

Meia Palavra

O desumanizador

| 31.05.23 - 11:49 O desumanizador (Foto: divulgação)Terminou no último domingo (28/5) Succession, drama da HBO que fez o limpa no Emmy em sua temporada passada e que certamente repetirá a dose com esta temporada final. Para quem está chegando agora ou nunca teve interesse em assisti-la, faça: ela faz parte de um restrito grupo de séries que são inteiramente boas, do primeiro ao último capítulo, em sucintas quatro temporadas de 10 episódios cada.
 
A trama é basicamente uma versão ficcionalizada da família Murdock, dona da Fox News (o próprio criador da série, Jesse Armstrong, já mencionou isso algumas vezes), e gira ao redor do patriarca Logan Roy (Brian Cox), dono de um império de telecomunicações, filmes, veículos de imprensa, linhas de cruzeiro e parques temáticos e que, apesar de vasto, começa a dar sinais de decadência.
 
Quando Logan tem um problema de saúde, levanta-se a questão de quem estaria à altura para substituí-lo. Começa aí um jogo entre três dos seus quatro filhos (o mais velho é café com leite): Shiv (Sara Snook); Kendall (Jeremy Strong) e Roman (Kieran Culkin). Correndo por fora, temos o noivo de Shiv, Tom (Matthew Macfadyen), e seu fiel escudeiro, o primo Greg (Nicholas Braun).
 
O resultado consolidado nesta última temporada é de uma honestidade brutal e visceral, um retrato pérfido sobre a riqueza, sim, mas principalmente sobre o poder e os poderosos. Críticos da série chamaram-na de melodrama e a acusaram de glorificar a riqueza decadente e de humanizar os bilionários. Acho esses apontamentos infundados e quem percebeu a série dessa forma certamente percebeu errado.
 
Ao meu ver, é marcante como todos os personagens são pessoas horríveis: de Logan ao mais humilde estagiário, não escapa ninguém. Todos são imorais, covardes, fúteis, burros e interesseiros, apenas esperando uma chance para se agarrar com unhas e dentes às próprias migalhas. A burrice, ao meu ver, é algo marcante. Muita gente que, de fato, endeusa bilionários tenta encontrar em suas riquezas e poderes indecentes algum sinal de genialidade. Não em Succession: os personagens são medíocres, para não dizer inteiramente ruins, em tudo o que fazem, mas eles possuem o poder, e o poder esmaga qualquer oposição.
 
Nesta última temporada em particular é salientado como a mera sombra de Logan Roy possui influência o suficiente para fazer ou derrubar presidentes, mas não há qualquer ideologia ou moral por trás dessas escolhas: a opinião pública, a economia, milhões de vidas e empregos são apenas joguetes que dependem das decisões de vacas sagradas baseadas exclusivamente no que as tornará mais ricas e poderosas.
 
A série, portanto, estabelece esta classe de ricos, de verdadeiramente ricos, como um novo tipo de nobreza, que vive isolada, completamente desconectada da realidade, gente que nunca precisou lavar um copo, como os donos do mundo e, mais importante, os donos da verdade. Discussões políticas, religiosas, patrióticas simplesmente não fazem sentido para eles: ao apertar de alguns botões, se ajusta o status quo ao seu bel-prazer.
 
Sendo assim, não creio que Succession humaniza seus bilionários, pelo contrário, elas os desumaniza, ao extremo. Ao longo das quatro temporadas, vemos pessoas horrorosas ficando cada vez piores não por uma agenda a longo prazo, não por um ideal ou missão pessoal, mas por pura ganância: lutando até a morte e condenando países inteiros à miséria a troco de poder e riqueza que elas já têm.
 
Talvez, o único toque humanizador passe batido até mesmo por esses personagens: cegos por seu próprio egoísmo terminal, eles destroem tudo o que poderia ter valor ao redor de si sistematicamente: filhos, casamentos, amigos, o que aparecer pela frente. E no fim, eles morrem, como todos nós, sem sequer ter um segundo de consciência de que foi tudo por nada. Esse é o legado aterrador de Logan Roy e certamente será o de seus filhos. Um rastro inacreditável de destruição com impactos a níveis globais a troco de nada: se morre sozinho, sem cerimônia e desta vida não se leva um centavo.

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