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Traçado original é marco da arquitetura moderna na Goiânia de 90 anos

Projeto é do arquiteto Attilio Corrêa Lima | 24.10.23 - 07:55
Traçado original é marco da arquitetura moderna na Goiânia de 90 anos Foto: Rodrigo Obeid/A Redação
Carolina Pessoni
 
Goiânia - Existe um mito popular de que o traçado original de Goiânia - formado pela Praça Cívica e as avenidas Araguaia, Goiás, Tocantins e Paranaíba - foi projetado com inspiração no manto de Nossa Senhora. Outra história que corre à boca miúda é de que esse desenho teria o formato de um compasso e um esquadro, símbolos da maçonaria.
 
Essas versões, entretanto, não passam de lendas urbanas. O traçado original da cidade foi projetado pelo arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima, que trouxe da França, onde se formou, a inspiração para projetar a nova capital de Goiás. 
 

Desenho do traçado de Goiânia e sua planta original (Foto: Divulgação)
 
"Attilio tinha chegado da França e era um dos poucos urbanistas formados no Brasil. Ele trouxe de lá essa característica em que se privilegia um ponto e, então, começa a setorizar a cidade. Próximo à praça ficariam os poderes governamentais, cinturão de habitação na parte sul, e a parte norte dedicada à área industrial", é o que explica a arquiteta e urbanista Adriana Bernardi, conselheira federal suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás.
 
Conforme destaca a arquiteta, esse desenho tem raciocínio e características que vieram da nova visão europeia, privilegiando vias largas de acordo com uma perspectiva higienista. "Na Idade Média as cidades tinham ruas muito apertadas, tudo era muito próximo, o que facilitava a disseminação de pestes, por exemplo. Na Revolução Francesa também se percebeu a dificuldade dos militares chegarem onde as pessoas estavam. Então, previu-se essa facilitação da circulação. Tem toda uma questão simbólica das cidades se formarem em volta dos Poderes, mas também essa característica higienista, que veio do aprendizado da Europa", reforça.

 
Foi a partir dessas características que Attilio projetou Goiânia, conforme havia sido encomendado pelo interventor do Estado, Pedro Ludovico Teixeira, de acordo com o que pontua o professor e urbanista Wolney Unes. "Pedro Ludovico encomendou uma cidade para ser capital, então Attilio pensou que podia retomar o projeto de cidade residente, que vem do Barroco: uma cidade que surgia em torno do palácio do rei."
 
Para isso, a inspiração foi Versalhes, na França, onde do palácio saem as principais avenidas de maneira radial. "Tudo se converge para o centro do Poder. A Praça Cívica é exatamente isso, as três grandes avenidas convergindo para o Palácio das Esmeraldas, que está no lugar mais alto", explica Unes.
 

Vista aérea de Versalhes, na França (Foto: Divulgação)
 
Essa característica está detalhada, inclusive, no memorial descritivo do projeto do traçado original da cidade. "Attilio diz no documento que o visitante que chegasse a Goiânia pela estrada de rodagem, que hoje é a Avenida Anhanguera, teria três pontos de vista do Palácio, cada um de uma avenida. É uma perspectiva até poética", cita o professor.
 
O modelo urbanístico adotado por Corrêa Lima tem as influências do urbanismo da escola francesa, presente na sua formação acadêmica na Escola Nacional de Belas Artes e no Institut d'Urbanisme de l'Université de Paris (IUUP). Essas características faziam parte dos traçados das novas capitais, com destaque para edifícios públicos e lugares cívicos como estruturas simbólicas.
 
Assim, Goiânia ganhou o ar moderno que era pretendido por Pedro Ludovico, uma oposição clara à antiguidade da primeira capital, a cidade de Goiás. "Esse traçado foi pensado por sua monumentalidade, um ideal estético. Essa era a ideia que se pretendia passar para a nova cidade", ressalta Wolney Unes.
 
Na praça administrativa, em forma de ferradura, foram projetados o Palácio do Governo, ao centro, tendo à direita e à esquerda outros prédios públicos, como o Palácio da Justiça, a Câmara Estadual e a Prefeitura Municipal. Ainda no memorial descritivo, Corrêa Lima detalha a Praça do Centro Administrativo, ou Cívico, como um lugar de “caráter monumental”.
 
A principal avenida da capital, a Avenida Goiás, que no projeto se chamava Pedro Ludovico, tinha em sua proposta 45% de áreas de jardim, com o objetivo de ser um boulevard de passeio. Já as avenidas Araguaia e Tocantins, em diagonal, tinham o objetivo estético e funcional, e a Avenida Paranaíba, em curva, tem a função de desviar o tráfego de veículos pesados, levando-os para a zona industrial.
 

Esboço do zoneamento de Goiânia (Fonte: Acervo Corrêa Lima/Anamaria Diniz)
 
Esse traçado foi estruturado em três pilares: o sistema viário, o zoneamento e a configuração do terreno. Assim como feito nas cidades francesas, no meio do Cerrado a ideia era implantar uma capital com funcionalidade, com o cálculo das vias na direção do tráfego.

Essas mesmas características são vistas em outras cidades do mundo bem mais antigas que Goiânia, como Karlsruhe, na Alemanha, e Washington, nos Estados Unidos, o que derruba o mito do desenho do manto de Nossa Senhora. Seguindo o mesmo traçado, as avenidas principais saem de um ponto principal, que tem como destaque um palácio, como o Castelo de Karlsruhe (que atualmente abriga o Museu Estatal de Baden e uma parte do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha) e o Capitólio, o centro legislativo do Estado americano.
 
 

Comparações: acima, Karlsruhe (Alemanha); abaixo, Washington (Estados Unidos) (Fotos: Divulgação/Getty Images)
 
Também em Boa Vista, capital de Roraima, foi seguido este mesmo modelo. "Todas essas cidades foram planejadas. É um traçado do Barroco, da época de 1750, que foi usado 200 anos depois em Goiânia, e posteriormente em Boa Vista. É algo que sobrevive há quase 300 anos, então, me parece que tem algum apelo ainda de modernidade", diz Wolney Unes.
 

Vista aérea de Boa Vista, Roraima (Foto: Divulgação)

Conselheira do CAU-GO, Adriana Bernardi explica que, no urbanismo, esse tipo de desenho é conhecido como "pé de pato". "Para se ter uma ideia, a Catedral era pra ser acima da Praça Cívica, na Praça do Cruzeiro, um simbolismo que coloca Deus acima dos Poderes, uma coisa que a gente ainda vê na Europa. Se não tivesse o Palácio Pedro Ludovico na parte superior, a gente teria uma visão direta da Praça do Cruzeiro, partindo da Praça Cívica." 

Escolha técnica
O jornalista e historiador Iuri Godinho afirma que a escolha por esse tipo de traçado para Goiânia foi simplesmente técnica. "É inequívoco falar que o desenho é o manto de Nossa Senhora, até porque parece com o manto de qualquer santo. Eu, particularmente, acredito que antes de se preocupar com a conotação religiosa, havia outras preocupações, como a construção de uma capital que fosse o oposto da cidade de Goiás, moderna, arborizada e com ruas largas."
 
Para Iuri, o mito do manto surgiu porque a primeira-dama à época, D. Gercina Borges, era devota de Nossa Senhora, além da ligação e apoio da igreja a Pedro Ludovico na implantação da cidade. "Goiânia é uma cidade consagrada à Nossa Senhora, teve sua primeira missa no dia 24 de maio de 1933. A Igreja Católica era muito importante na época, deu todo o suporte a Pedro Ludovico para que o lugar onde a capital fosse construída pudesse ser concretizado. Nesse cenário, em qualquer oportunidade que pudesse falar sobre essa questão de um manto sagrado, seria falado."
 
Com o tempo, esse mito ganhou força no inconsciente dos goianienes, de que o triângulo formado pelas avenidas seria um manto de Nossa Senhora. "O traçado é importante historicamente por todas essas características. As pessoas têm o mapa mental da cidade e o desenho ajuda nessa relação. Quem está no centro consegue entender esse traçado e se localizar", destaca Adriana Bernardi, conselheira do CAU-GO.
 

Vista aérea do Centro de Goiânia (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
 
E o desenho original deve ser eternizado na mente da população, já que é um patrimônio tombado e, portanto, não pode ser modificado. O uso do solo, entretanto, pode ser mudado, como o que acontece com a obra do BRT, conforme explica Adriana. "Não vai transformar o traçado, mas vai alterar a característica da Avenida Goiás e isso pode fazer com que se percam as memórias afetivas. Quando isso vai se quebrando, quando essa identidade vai se perdendo, as pessoas se sentem em uma cidade que não é sua, então, o cuidado e amor por ela acaba", observa. 
 
Por isso, a arquiteta considera ser de extrema relevância ações de valorização da região central. "Esse traçado deveria ser valorizado, mantendo as características originais, com o art déco, com a arquitetura eclética. Se a gente vai para a Europa e vê os centros históricos preservados e acha bonito, deveríamos valorizar isso aqui também, que é o contrário do que estamos fazendo", arremata. 

 
 

Comentários

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  • 24.10.2023 08:48 Wanderly martins de jesus

    E como fica os interesses econômicos, e a própria locomoção das pessoas...

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