Carolina Pessoni
Goiânia - Goiânia: substantivo feminino, nome da Capital do Estado de Goiás. Apesar de ter sua história contada com destaque para os homens, as mulheres também ajudaram a construir a cidade que foi planejada para ser o novo centro do poder estadual.
Desde o lançamento da pedra fundamental da nova capital, em 1933, as mulheres estiveram presentes e contribuíram para a formação de Goiânia como a cidade planejada. Entretanto, a relevância histórica acabou por privilegiar a masculinidade, como exemplos de coragem e ousadia de construir um centro urbano no meio do Cerrado.
"As mulheres tinham papéis muito restritos, voltados para o casamento e criação dos filhos". É o que afirma a historiadora Lyz Elizabeth Amorim Melo Duarte. Para ela, essa imposição não permitiu que nomes femininos tivessem grande destaque na história da cidade.
A mesma opinião é compartilhada pelo jornalista Iuri Godinho, também escritor e estudioso da história de Goiás. "A história de Goiânia é uma história de homens. A cidade veio de um mundo altamente patriarcal e machista, com as mulheres na função social de cuidar da casa, marido e filhos. Isso não permitiu que elas construíssem uma história que as projetasse nos primórdios da capital", lamenta.
Entretanto, alguns nomes merecem destaque quando o assunto é a composição da nova cidade, que nasceu no que hoje é a região central de Goiânia. "Não era uma regra geral, mas houve uma transição na conquista de espaços. Era uma época muito mais difícil, porque o comum era a mulher se dedicar ao trabalho doméstico e apoiar muito os maridos", reforça Lyz Elizabeth.
Mesmo as primeiras-damas tinham papéis restritos. "As mulheres eram esposas, davam suporte aos maridos para que eles conquistassem seus feitos. Nem mesmo as primeiras-damas tinham atuação muito forte, com algumas exceções, como Dona Gercina Borges", destaca Iuri Godinho.
Para a historiadora Nayara Moraes, na história de Goiânia, apesar de pouco reconhecimento, as mulheres podem e devem ser lembradas como protagonistas. "A História, aos poucos, está evidenciando a trajetória dessas mulheres que pouco aparecem na escrita da mais tradicional, que antes privilegiava apenas documentos históricos ditos oficiais e estava voltada para homens considerados importantes dentro de uma narrativa 'política'", ressalta.
Ela lembra que na cultura goiana, por exemplo, apenas em 1969 a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás (Aflag) foi fundada. "Foi constituída por mulheres da elite goiana que buscavam questionar a desigualdade cultural e barreiras presentes nas instituições acadêmicas literárias que não aceitavam mulheres em seus quadros."
Entre Pedros, Attilios e Venerandos, nomes femininos famosos e menos conhecidos, entretanto, fizeram parte do pioneirismo de Goiânia nas esferas da política, das artes e até mesmo da religião. E neste 8 de março, data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, o jornal A Redação destaca oito mulheres que contribuíram para a formação da cidade, que é feminina em seu nome e na sua alma.
Gercina Borges Teixeira
Dona Gercina e seu marido, Pedro Ludovico Teixeira (Foto: Reprodução)
Dona Gercina, como é conhecida, muitas vezes é relegada a uma posição secundária, como mera esposa de Pedro Ludovico Teixeira, fundador de Goiânia. No entanto, ela teve participação ativa na construção da nova capital. Sem ela, o marido não tinha sequer entrado no mundo político, já que o ingresso nessa área se deu pelo pai de Gercina, o senador estadual Antônio Martins Borges, que apostou no genro como uma nova liderança.
Foi ela a primeira mulher que ajudou a desenvolver a cidade, formada a partir da região central. Ganhou destaque em causas sociais, como a fundação da Santa Casa de Misericórdia - que funcionava onde atualmente está localizado o Centro de Convenções de Goiânia - e da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG).
Sua união com Pedro Ludovico era mais que conjugal. Seu carisma ajudou a conquistar apoios importantes especialmente na origem de Goiânia, demonstrando que Dona Gercina era tão atuante e forte politicamente quanto o marido.
Maria Antonieta Alessandri
Maria Antonieta atuou no meio espírita em Goiânia (Foto: Arquivo pessoal)
Natural de Monte Alegre, em Minas Gerais, Maria Antonieta se mudou para uma Goiânia recém construída, em 1944, com o marido, o médico Clóvis Figueiredo, um dos primeiros cardiologista de Goiás. Filha de uma família espírita, se dedicou à construção de obras filantrópicas, como a Fundação Pestalozzi, criada dentro de sua própria casa.
Seu altruísmo a fez doar um terreno que ganhou do marido para a construção do que hoje é a Irradiação Espírita Cristã, na Vila Nova, da qual foi presidente por quase 30 anos. A partir dessa iniciativa, surgiram outras obras em favor da população mais vulnerável da época, como o asilo Solar Colombino, núcleos escolares Humberto de Campos e Bezerra de Menezes, Obra do Berço, Casa da Pequena Costureira e o Instituto Educacional Emmanuel, que na inauguração contou com a presença do então presidente da República Juscelino Kubitschek graças à articulação de Maria Antonieta.
Participou da fundação de cerca de 20 obras espíritas e mantinha articulação política com grandes nomes, como a então primeira-dama Dona Gercina Borges, para angariar recursos para os projetos. Mãe da ex-deputada e professora Raquel Teixeira, Maria Antonieta morou no Centro da cidade, a duas quadras da Praça Cívica, até dezembro de 2009, quando morreu aos 91 anos.
Marieta Telles Machado
Marieta Telles Machado foi atuante na área de literatura (Foto: Reprodução)
Marieta Telles Machado é um dos grandes nomes da área cultural em Goiás. Nascida no município de Hidrolândia, em 1934, mudou-se para Goiânia para estudar e foi aluna dos colégios Santa Clara, em Campinas, e Liceu, no Centro.
Dedicou seus conhecimentos de literatura e sua larga experiência em bibliotecas para deixar acessíveis acervos em instituições de Goiás e em várias cidades. Ainda bem jovem, foi convidada pelo professor Colemar Natal e Silva para organizar as bibliotecas das faculdades que depois integrariam a Universidade Federal de Goiás (UFG). Após a fundação da UFG, foi responsável por montar a Biblioteca Central da instituição, que ainda hoje está situada ao lado da Faculdade de Direito, no Setor Universitário.
A escritora, que também foi poetisa, cronista, memorialista, documentarista, ensaísta, conferencista, produtora de cultura e conhecedora das artes em geral, tem o seu nome citado em uma dezena de antologias de prosa e verso. É verbete em vários dicionários de literatura em Goiás e em outros estados.
Devido à sua importância para as artes, seu nome intitula prédios importantes do Centro de Goiânia, como o Centro Cultural Marieta Telles Machado, na Praça Cívica, e a Biblioteca Municipal que também homenageia a escritora, localizada na Praça Universitária. Marietta faleceu precocemente aos 54 anos de idade, em 1987, em decorrência de um ataque cardíaco, deixando um legado de profissionalismo e dedicação na formação de jovens leitores e produção literária.
Amália Hermano
Amália Hermano teve as orquídeas como sua paixão (Foto: Reprodução)
Conhecida como a "Dama das Orquídeas", Amália Hermano foi professora, pesquisadora, biógrafa, historiadora, orquidófila, advogada, folclorista, arquivista, conferencista e jornalista. Goiana de Natividade (hoje Tocantins), Amália mudou-se para Goiânia para fazer o curso secundário no Colégio Lyceu.
Estudou ainda na Universidade Rural do Rio de Janeiro e na Faculdade de Direito de Goiás. Atuou como professora na Escola Normal Oficial, Instituto de Educação de Goiás e na Universidade Federal de Goiás, além de ser colaboradora especial da famosa enciclopédia Delta-Larousse.
Amália e seu marido, Maximiano da Mata Teixeira, nutriam um imenso amor pelas orquídeas. Ela foi a responsável por catalogar a maior parte das orquídeas do Cerrado e encontrou uma espécie nova, na Serra Dourada, que foi batizada com seu nome: Cattleya Nobilior Amaliae.
Com um cotidiano de pesquisas históricas e botânicas, Amália e o marido transformaram a casa em que moravam na Rua 24, no Centro, em um local repleto de natureza e ponto de encontro de artistas de renome nacional. Entre os visitantes constantes estavam o casal de escritores Jorge Amado e Zélia Gattai, amigos próximos do casal.
Foi uma das responsáveis por organizar o 1º Congresso Nacional de Intelectuais de 1954, em Goiânia, quando a capital recebeu o poeta chileno Pablo Neruda. Em sua homenagem, o Jardim Botânico e o orquidário contido nele, além de um espaço de eventos da Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag), no Centro, levam o nome de Amália Hermano, que morreu em 1991, aos 75 anos de idade.
Neusa Moraes
Neusa Moraes foi autora de obras de arte icônicas de Goiânia (Foto: Reprodução)
Nascida na cidade de Goiás, em 1932, e sobrinha do arquiteto Jorge Félix de Souza (responsável pelos projetos da Igreja Imaculado Coração de Maria e do Instituto Federal Goiano), Neusa foi criada pelo tio após perder a mãe. Seu interesse pelas artes veio pela influência que teve dentro de casa.
Ganhou uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes de São Paulo e, após voltar para Goiânia, foi convidada para ser professora na Universidade Federal de Goiás (UFG). Uma de suas marcas era o uso de materiais diversos em sua produção, como ferro, cerâmica, pau-brasil, bronze, pedra-sabão e mogno.
Ela é autora do Monumento às Três Raças, nomeado oficialmente de Monumento à Goiânia, instalado na Praça Cívica. Inaugurado em 3 de novembro de 1967, o monumento é considerado a primeira escultura de livre expressão instalada em um espaço urbano da nova Capital.
É de sua autoria também a estátua de Pedro Ludovico montado em seu cavalo, instalada igualmente na Praça Cívica. Com o nome oficial de "Resgate à Memória", a escultura foi feita pela artista plástica 19 anos antes de sua instalação. Neusa e seu assistente, Júlio Valente, ainda trabalhavam na obra quando a artista morreu, em fevereiro de 2004. Júlio ficou, então, com a incumbência de finalizar a peça.
Belkiss Spenciere
A pianista Belkiss Spenciere divulgou o nome de Goiás para o mundo (Foto: Reprodução)
Belkiss Spenciere (ou Spenziere) foi uma musicista goiana conhecida internacionalmente. Vilaboense, nasceu em 1928, filha da também pianista Diana Spenciere e neta de Maria Angélica da Costa Brandão, conhecida como Nhanhá do Couto e uma grande incentivadora da música no estado de Goiás.
Iniciou seus estudos com a avó e deu continuidade a eles na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Se formou em 1945 com ajuda de uma bolsa de estudos concedida pelo então interventor de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira.
A pianista foi a fundadora da Orquestra Sinfônica Feminina, a segunda do tipo no mundo (a primeira foi criada nos Estados Unidos). Desde que se mudou para Goiânia, no início da adolescência, morou na Avenida Tocantins. Morreu em Goiânia, vítima de um Acidente Vascular Cerebral, em novembro de 2005.
Ely Camargo
Com apoio da família, Ely Camargo se tornou artista em uma época cheia de preconceitos (Foto: Reprodução)
Nascida na cidade de Goiás em 1930, Ely Camargo se mudou para Goiânia em 1938 juntamente com sua família. Filha do maestro Joaquim Édson de Camargo e de Élcina Veiga de Camargo, Ely se tornou artista ao passo que Goiânia se tornava uma nova capital.
Morou na Rua 19, estudou no Lyceu de Goiânia e chegou a ser inspetora no Colégio Santa Clara. Ely iniciou sua carreira cantando nas rádios da cidade, como Rádio Clube e Rádio Brasil Central. Ainda na adolescência chegou a cantar, acompanhando a orquestra do pai, no Batismo Cultural de Goiânia, na década de 1940. Enquanto Goiânia era batizada como uma capital de cultura, Ely se tornava artista, se consolidando como cantora de rádio.
O centro de Goiânia fez parte de sua história. Ela ajudou a compor a paisagem sonora da cidade, embora naquela época não fosse muito bem-visto que moças adentrassem no mundo “boêmio” da música.
Enfrentando preconceitos e sendo apoiada pelos pais, cantou em dupla, trio e solo entre as décadas de 1940 e 1960 em Goiânia. Só partiu para São Paulo em 1962, buscando realizar seu sonho de gravar discos e ser uma grande radialista nacional, embora já tivesse se tornado radialista na capital goiana.
(Fonte: Nayara Moraes)
Célia Câmara
Célia Câmara foi uma marchand de arte que revelou nomes de grandes artistas plásticos goianos (Foto: Reprodução)
Nascida na cidade de Jacarezinho, no Paraná, Maria Célia Câmara foi a responsável pela profissionalização do mercado de artes em Goiás, por meio da Casa Grande Galeria de Arte. Casou-se, em 1943, com Jaime Câmara, com quem realizou uma série de projetos, entre eles a Casa Grande Galeria de Arte, localizada na Rua 3, e o Instituto Jaime Câmara, uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a cidadania, práticas sustentáveis e parcerias e políticas de responsabilidade social.
Marchand de arte, ampliou a divulgação de artistas do estado que consolidaram o seu nome neste meio, como Antônio Poteiro, Siron Franco, Amaury Menezes e M. Cavalcante são alguns dos exemplos. Seus concursos de Novos Talentos também revelaram outros grandes nomes, como Cléber Gouvêa, DJ Oliveira, Selma Pereira, Alexandre Liah, entre diversos outros.
Além do incentivo aos goianos, Maria Célia fez despertar o interesse de fora pela arte do Estado. Durante a existência da Casa Grande, vários nomes de destaque nacional e internacional, como Walter Levy e Millor Fernandes, visitaram a capital.
Na década de 1980, junto a Tereza Sabino e Glória Drummond, concebeu e colocou no ar o programa Mulher, na TV Anhanguera, uma das primeiras atrações voltadas para o público feminino do país. Célia Câmara morreu em 29 de setembro de 1998.