Uma campanha de moda da marca britânica Dazed, que usou uma peça de roupa da Osklen, foi repostada no perfil da grife brasileira e, logo apagada, provocando uma polêmica que instigou uma pertinente reflexão coletiva. No centro da imagem o funkeiro Oruam envolvido recentemente em controvérsia por celebrar, diante de um presídio no Rio de Janeiro, a soltura de um detento.
A comoção que seguiu lembra a emblemática obra do artista carioca, Hélio Oiticica: "Seja herói, seja marginal", de 1968.
Transgredir as leis e perturbar a ordem é o propósito dos artistas, dos rebeldes, dos 'bufões' que representam um papel importante numa comunidade. Eles usam a máscara da interpretação, como neste episódio, cuja tonalidade do cabelo deste 'protagonista' é a cor encarnada, um vermelho pimenta ardente demonstrando o atual estado inflamatório da sociedade.
Obsceno, vulgar e tatuado, o artista traz consigo um apelo, uma perturbação, um caos. Num estilo quase satânico, que seria explícito, caso o modelo portasse um par de chifres, abre precedentes narrativos, sobre os múltiplos significados desta proeminência óssea.
No Egito Antigo, por exemplo, Ápis era uma divindade, um touro negro sagrado, ligado à fertilidade e ao ciclo vital. Na Grécia, Zeus foi amamentado pelo leite de uma cabra, conhecida como 'corno abundante', cujo desdobramento mitológico conferiu ao deus Pan características zoomórficas de sátiro e fauno, também associadas à fertilidade, selvageria e proteção, assim como na mitologia romana e na celta, os chamados cernunnos.
Os chifres idealizaram seres místicos, mágicos e dramáticos como o icônico Minotauro e no imaginário popular brasileiro o bumba-meu-boi e os mascarados de Pirenópolis, os curucucus. Criaturas fantásticas e irreverentes do folclore que interpretam o papel de força, transgressão, comportamento instintivo com uma conexão primitiva e espiritualidade selvagem.
Os chifres são um prolongamento da cabeça e da mente com o afinamento das pontas, como uma antena, um adorno protetor de potência para a sobrevivência. Expostos como troféus, a cabeça com chifres pode ser peça decorativa e noutros contextos, utilizadas em rituais, ou como recipiente para bebidas, ou até mesmo como instrumento musical. Suas associações ao misticismo, rituais litúrgicos, musicais e divinos remetem à um impasse quanto ao seu simbolismo cultural.
A Humanidade e seus mitos nada mais é que o reflexo do arquétipo de cada personagem contado na História. Um ciclo que se repete em diferentes contextos e provoca contínuas transformações.
Deixo aqui uma última provocação, nosso ambíguo personagem transita entre dois extremos: santo e demônio, ou não?!