Para adicionar atalho: no Google Chrome, toque no ícone de três pontos, no canto superior direito da tela, e clique em "Adicionar à tela inicial". Finalize clicando em adicionar.
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351
Sobre o Colunista
José Abrão
José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br
O Último Azul, vencedor do Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim, está em cartaz no Cine Cultura, em Goiânia. O mais novo longa de Gabriel Mascaro, que assina o roteiro ao lado de Tibério Azul, o longa conta com Denise Weinberg e Rodrigo Santoro no elenco e mais uma vez evidencia o talento do cineasta em construir distopias deliciosamente brasileiras.
Neste longa, todo idoso a partir de 80 anos precisa ir embora para colônias designadas pelo governo. O objetivo é deixar a população mais jovem desimpedida para produzir mais, sem ter que se preocupar em cuidar dos pais mais velhos. Entra em cena Tereza, uma senhora de 77 anos que trabalha em algum lugar no Norte do Brasil, em um frigorífico de carne de jacaré.
Ela aguarda resignada a chegada da sua partida, mas espera antes poder realizar um único sonho: voar de avião. Infelizmente, é pega de surpresa por uma mudança na lei: agora a idade da partida é 75, e ela já tem 77 anos. Tereza então embarca em uma jornada cheia de aventuras em busca do seu sonho e, acima de tudo, da sua liberdade, o tempo todo tendo que evitar as autoridades e o temível "cata-velho": literalmente uma carrocinha de idosos teimosos que não querem partir para a colônia.
Embora Rodrigo Santoro ocupe boa parte do pôster na esperança de vender ingressos, naturalmente é Denise Weinberg quem rouba a cena como a protagonista Tereza, cheia de vida e de dureza, mas também de uma leveza e determinação quase infantis na sua resistência em se submeter à colônia e na sua energia persistente em traçar o próprio caminho com altivez e dignidade, descobrindo, no percurso, que voar é um estado de espírito.
Rodrigo Santoro não fica atrás, porém, embora não esteja tanto assim no filme. Seu personagem, um barqueiro/contrabandista misterioso, tem camadas e dores que a visão da audiência não alcança, mas que geram uma simpatia quase instantânea pelo seu tipo meio caubói, meio fora da lei do rio.
O visual e a fotografia do filme são também uma estrela à parte, tendo o Norte brasileiro e a floresta com seus sons e cores envoltos em um neon efervescente como um envolvente pano de fundo. Uma aura mística permeia a narrativa, um quê de realismo mágico, embora nada de sobrenatural de fato aconteça.
Há algo de um sonho febril vívido nas cores e na trilha sonora hipnotizante de Memo Guerra, que casa perfeitamente com a estrutura de "filme de estrada", porém aquático, como descreveu bem Isabela Boscov, conforme Tereza — sempre indo embora — navega Amazônia adentro e para dentro de si mesma em busca de uma liberdade verdadeira, legítima.
Em temas mais amplos, a crítica ao etarismo e à forma como a sanha do capitalismo tardio tem sequestrado cada vez mais o tempo da população ativa apenas para depois descartá-la é tão evidente que não poderia ser mais explícita.
Por outro lado, o filme ganha pontos por não ser ainda mais melodramático e panfletário: a crítica serve de background e conflito para embasar e mover as ações de Tereza e dos demais personagens, o que é muito mais interessante do que ficar gritando aos quatro ventos "veja como tratamos mal os velhos, veja como somos explorados". Disso, a gente já sabe.
Em vez disso, temos ação, poesia, atitude e beleza. Não deu para O Último Azul superar o imbatível, e ainda inédito no circuito comercial, O Agente Secreto para ir ao Oscar, o que com certeza chamaria mais atenção do público. Mesmo assim, fica aqui o convite insistente: este é um filme imperdível.