Tivemos dois movimentos antagônicos nos dias 7 e 21 de setembro, que revelam muito sobre o Brasil atual. No dia em que deveríamos comemorar a independência do Brasil, manifestantes abriram uma enorme bandeira dos Estados Unidos, na avenida Paulista, em um ato de submissão e humilhação, totalmente deslocado do significado da principal data cívica do país. Os símbolos nacionais dizem muito e ali foi um pedido claro de intervenção estadunidense na decisão da justiça brasileira de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete militares de alta patente e, portanto, um gesto contrário à nossa soberania.
Passadas duas semanas e na sequência da aprovação da PEC da blindagem e da urgência para a votação da anistia aos condenados, na Câmara dos Deputados, houve uma grande mobilização nacional, com manifestações em 33 cidades brasileiras, contra a decisão dos parlamentares, sob os gritos de “sem anistia” e com a abertura de uma enorme bandeira, na mesma avenida Paulista, mas dessa vez, a bandeira era brasileira, o nosso maior símbolo nacional.
A diferença entre as duas manifestações guarda um significado importante. Enquanto a primeira foi organizada por um grupo político, os bolsonaristas, a segunda não foi resultado de uma convocação partidária, não contou com político discursando nos carros de som, mas sim uma resposta a chamamentos de movimentos sociais e, sobretudo, de grandes nomes da cultura brasileira, como Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, além de Paula Lavigne, com capacidade reconhecida de organizar grandes eventos nacionais, como aquele em defesa da Terra, em março de 2022. Além da bandeira nacional, muitos manifestantes usavam camisetas verde-amarela.
A disputa pelos símbolos nacionais - a bandeira, o hino, as armas e o selo - por partidos políticos e grupos ideológicos é histórica e não é exclusividade brasileira.
Nos últimos anos, a bandeira nacional e as cores verde-amarela se transformaram em uniforme, nas manifestações bolsonaristas, e o 7 de setembro no dia desse mesmo grupo tomar as ruas do país. A apropriação desses símbolos pela extrema direita confere um novo significado a eles e traz um sentido de exclusão, como se apenas este grupo representasse a nação, em uma interpretação oposta ao conceito fundamental de unidade.
Com dois agravantes: a associação dos símbolos nacionais à ideais religiosos, em um país laico, de acordo com a Constituição, e mais grave ainda, à práticas de violência, com o gesto bélico de simular com a mão um revolver, acrescentado à simbologia política.
Os símbolos nacionais foram fartamente utilizados por apoiadores de Jair Bolsonaro, que não aceitaram o resultado das eleições de 2022, e pediam, claramente, uma intervenção militar e um golpe de Estado, nos acampamentos em frente aos quartéis.
O uso dos símbolos nacionais pelo bolsonarismo não foi aleatório. Fizeram parte de uma estratégia, já que eles são capazes de evocar sentimentos de pertencimento, emoções e paixões.
Durante a ditadura, os governos militares também se apropriaram dos símbolos nacionais. Usar as cores da bandeira era uma forma de mostrar apoio ao regime. Os militares souberam fazer o seu marketing e criar a imagem de desenvolvimentistas, mas deixaram como herança, na verdade, uma dívida externa estratosférica e uma hiperinflação, além da supressão dos direitos civis, a instituição da tortura e centenas de mortos e desaparecidos políticos. Foram anos duríssimos e que afastaram a população dos símbolos nacionais, por associação à ditadura.
Quando um grupo monopoliza um símbolo, outros se afastam dele. Como bem lembrou a historiadora Lilia Schwarcz, os símbolos nacionais não são de um governo, de uma ideologia e nem de um partido político. São de toda a nação, com todas suas contradições e diversidade. Por isso mesmo, são fundamentais na formação de uma Nação e na construção da identidade nacional.
Daí a importância das manifestações do dia 21 de setembro, que podem ser o primeiro sinal de resgate dos símbolos nacionais por todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.