Jales Naves
Especial para o jornal A Redação
Goiânia - Uma das fundadoras da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, em 1970, onde é patrona e titular da Cadeira nº 17, a pianista Heloisa Barra Jardim é a convidada do “Concerto na AFLAG” desta quinta-feira, dia 2, às 18h, na sede da entidade, à Rua 132-C nº 114 – setor Sul, em Goiânia, com entrada franca, para interpretar a pianista pernambucana Amélia Brandão Nery (1897-1983), a consagrada Tia Amélia.
Artista de sólida formação e vasta experiência no cenário musical, reconhecida internacionalmente – conforme ressaltou a presidente da AFLAG, Andréa Luísa Teixeira – Heloísa se destaca como intérprete e pesquisadora da música brasileira, participando de festivais, recitais e projetos voltados à difusão do repertório nacional. Sua carreira inclui colaborações com importantes nomes da música de concerto e popular. Reconhecida por sua sonoridade expressiva e interpretação refinada, dedica-se especialmente à valorização de compositores brasileiros, mantendo viva a tradição e ampliando a visibilidade de vozes muitas vezes esquecidas da história musical goiana e brasileira.
Tia Amélia é uma das primeiras mulheres a conquistar reconhecimento nacional como compositora e pianista popular. Autodidata de impressionante talento, destacou-se nas décadas de 1930 e 1940 por sua habilidade de unir o virtuosismo pianístico à espontaneidade da música popular brasileira. Suas composições transitam pelo choro, valsa, samba e marchas, revelando a riqueza rítmica e melódica do Brasil. Considerada pioneira entre as mulheres compositoras do país, deixou um legado que inspira músicos até hoje e é peça fundamental na construção da memória cultural. Representou o Brasil em vários países.
“Unindo a força criativa de Tia Amélia ao talento interpretativo de Heloísa Jardim, este encontro musical nos convida a revisitar um repertório de rara beleza, celebrando a tradição e projetando-a para o presente”, afirmou Andréa Luísa Teixeira.
Heloísa Barra Jardim
É mineira de Uberaba, bacharel em Piano e Canto pela Universidade Federal de Goiás, com aperfeiçoamento em Técnica e Estética da Música de Vanguarda e Música Brasileira Contemporânea para Piano pela Universidade de Brasília e especialização em Novas Bases da Técnica Pianística pelo Instituto de Artes da UFG. Professora de Piano e Educação Musical, exerceu a chefia do Departamento de Teclado e Percussão e de Música de Conjunto do Instituto de Artes da UFG por 12 anos, e se dedicou, desde o início de sua carreira, ao acompanhamento e à Música de Câmara, recebendo o diploma de Melhor Pianista Acompanhadora no X Concurso Internacional de Canto do Rio de Janeiro, em 1981. Musicista, organista, solista, participou como acompanhadora em diversos Concursos Nacionais e Internacionais.
Tomou posse na AFLAG como membro fundador em 9 de novembro de 1970. Seu currículo e atividades estão inseridos no “Anuário 1970”.
Ela cedeu seu nome para o Prêmio Professora Heloisa Barra Jardim, concedido ao Melhor Camerista do Concurso de Piano – seletiva ao Gina Bachauer Internacional Piano Competition, 1993. Criou o Madrigal Hel-Canto, conjunto de vozes de estudantes e graduados em canto pela Escola de Música da UFG, do qual é tecladista e dirigente, levando para todo o Brasil a música, cultura e alma do povo goiano. Pertence também à Ordem dos Músicos do Brasil - Seção de Goiás, da qual foi vice-Presidente. Recebeu o Troféu Jaburu do Conselho Estadual de Cultura, em 1996.
Obras publicadas: “A Arte de acompanhar”, 1970; “A Música sintética”, 1972; “A Música ao alcance de todos”, 1976; e “O Hino Nacional Brasileiro - acompanhamento simplificado - adaptação escolar”, 1979. CDs gravados: “Música Sacra Brasileira”, com o Coro de Câmara da UFG, sob a direção de Norton Morozowicz (órgão) 1995; “Canções alemãs e brasileiras”, duo camerístico (canto e piano), 1995; “Sonatas e sonatinas, de Radamés Gnattali” – pianista no sexteto “Sonatina”, 1998; e “Semana Santa em Goiás”, participação como cantora em coro e trio, 1998.
Tia Amélia
O primeiro livro sobre uma figura importantíssima na música popular e folclórica, no rádio e na TV do Brasil e quase totalmente esquecida pelas gerações mais recentes “Tia Amélia – O piano e a vida incrível da compositora” (Tipografia Musical), da jornalista e produtora Jeanne de Castro, lançado em 2024, mergulha fundo na vida da pernambucana Amélia Brandão e de sua espetacular persona – Tia Amélia. O livro defende seus méritos, narra suas lutas, mostra sua força e sua arte, com ajuda de documentação histórica, jornalística e muitas entrevistas, e conta com um carinhoso aval de Ruy Castro na contracapa, como escreveu Luciana Medeiros, da revista “Concerto”, no site da publicação.
“Meus dois impulsos foram, primeiro, o extraordinário disco de Hércules Gomes, Tia Amélia para Sempre, lançado em 2020”, conta Jeanne. “Ele me apresentou os discos de Tia Amélia e o projeto. E, em segundo lugar, a presença de Maria José Sampaio Brandão, sobrinha de Amélia, que trabalha firme pela memória da tia – fundou inclusive uma ONG em Recife em torno da grande figura e sua vida.”
Nascida em 1897, filha de um comerciante bem-sucedido, foi a primogênita de cinco filhos do casal João e Joana Brandão – ambos músicos amadores. Ele, clarinete, ela, piano, e o resultado eram muitos saraus e uma menina que, aos quatro anos, já batucava o piano. Tudo com a bênção da família – afinal, era de bom tom que as moças prendadas tocassem piano.
Aprendeu as primeiras lições com uma prima e compunha. “Mas uma valsa composta aos 12 anos em homenagem aos pais criou um conflito interno na menina”, segue Jeanne. “Louco pelos clássicos, João chamou a bonita valsa Gratidão de ‘musiquinha’ – palavra que aplicaria, sem exceção, para toda música popular. Isso criou uma tensão que perdurou a vida toda de Amélia. Por exemplo, numa entrevista tardia, ela diz: ‘Eu não seria uma Guiomar Novaes, não tomava gosto pelo clássico. Descobri que era compositora’”.
Ela foi para Lisboa aos 15 anos para se aperfeiçoar, por seis meses. Na volta, pouco depois, foi levada ao casamento com um herdeiro de engenho, José Ignácio Nery. Mesmo isolada, mesmo com três filhos, não deixou a música. O marido, porém, a oprimia, como o pai. Começa aí a transformação de Amélia Brandão: ela foge com três filhos para o Recife e passa a se dizer viúva. E, por sorte ou circunstâncias, o marido nunca se reapresentou, até o fim da vida dela.
Começa aí a nascer Tia Amélia. E Jeanne desvenda uma trajetória impressionante, de persistência, dedicação, resistência, talento e empatia. Tia Amélia estava a postos no ascender da rádio no Brasil, no nascimento da televisão, criou formatos de programas, abriu horizontes da música para espectadores de muitas gerações. “Ela era extremamente sagaz, inteligente, tinha autonomia, apresentou-se pelo Brasil e em vários países”, enumera Jeanne. “Além disso, a persona Tia Amélia era bem-humorada e alegre – veja uma curiosidade: quando surgiu a personagem, ela não teve qualquer problema em aumentar dez anos da própria idade. Tinha 56, cravou que já estava nos 66, para incorporar a tia com mais credibilidade e não concorrer com jovens da bossa-nova ou do iê-iê-iê.”
O volume percorre com riqueza de detalhes a carreira de Tia Amélia, sempre discreta em termos de vida pessoal. Linda quando jovem, estudiosa, dedicada ao resgate do folclore, tinha a técnica elogiada até pelo rígido Eurico Nogueira França (“Tia Amélia é uma continuadora das tradições de Nazareth (...) e enquanto Nazareth se afeiçoou mais Chopin, tia Amélia demonstra a predileção por Liszt”). Jeanne descobriu fatos curiosos, como a falsa viuvez de Tia Amélia, seu trabalho na Rádio Clube de Pernambuco e no Cine Ideal em Recife, a gravação de 40 fonogramas no Rio e seu contato com Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga nos anos 1930.
Virtuose como intérprete, original como compositora, admirada por Pixinguinha e Jacob do Bandolim, Tia Amélia é figura respeitada e amada por músicos como Egberto Gismonti. Hércules Gomes, em seu encarte, fala dos “baixos que Tia Amélia fazia com sua mão esquerda, um capítulo à parte, em que ela imita um violão 7 cordas em moto perpetuo, o que traz grandes dificuldades técnicas para a música”.
Embora tenha gravado muito pouco – e aí reside, em boa parte, o desconhecimento em que seu nome caiu –, para muitos artistas Tia Amélia está nas origens da opção pela música. De Angela RoRo à cavaquinhista Luciana Rabello (“Tia Amélia era minha Xuxa”, diz Luciana; “ela suingou no piano, trouxe uma rítmica, uma brasilidade”), de Maysa e Júlio Medaglia, a pianista pernambucana atravessou o século XX numa trajetória que ultrapassou os handicaps: mulher, nordestina, nascida no finzinho do século XIX, separada do marido, sustentando os filhos e duelando com a sociedade preconceituosa.