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Seguro rural atua para mitigar riscos da crise climática no campo

Conheça histórias de produtores impactados | 23.08.25 - 07:59 Seguro rural atua para mitigar riscos da crise climática no campo Plantações são impactadas por chuvas intensas ou longos períodos de estiagem (foto: agência Brasil)
Adriana Marinelli e Ludymila Siqueira

Goiânia
“Um incêndio que me causou um prejuízo enorme. Perdi 600 caixas de banana no período da safra, sem contar as áreas vizinhas que foram atingidas. Estou tentando reconstruir, e alguns cachos devem nascer em setembro, mas o estrago desestabilizou tudo.” O desabafo é do produtor rural Mirson José Nogueira, 43 anos, sobre a tragédia que atingiu um bananal de sua propriedade em Souzânia, distrito de Anápolis, em setembro de 2024.


Vídeo mostra como o fogo consumiu a plantação (imagens: enviadas via WhatsApp)
 
O fogo, iniciado após um curto-circuito na rede elétrica, devastou cerca de 12 hectares de plantação de bananas, o equivalente a 200 campos de futebol, e provocou perdas estimadas em mais de R$ 30 mil. “Nosso negócio é familiar. Nós mesmos produzimos e, de vez em quando, algum amigo presta serviço pra gente”, destaca o produtor ao citar que foi preciso muita força de vontade e dedicação para passar por cima do que aconteceu. 
 

Fogo consumiu cerca de 12 hectares de plantação de bananas (Foto: arquivo pessoal)

Mirson nasceu e cresceu na vida rural. Desde muito cedo acompanhava o pai na lavoura e acabou herdando a paixão pelo trabalho no campo. “Desde criança, toda a vida, estou nessa atividade, produzindo banana. Isso vem do meu pai, desde a década de 70, ele já produzia. Eu tenho uma propriedade na Serra do Misael, no município de Pirenópolis, onde o meu pai morava. Tenho a área onde eu moro atualmente, que fica em Souzânia, no distrito de Anápolis, onde o incêndio aconteceu, além de uma terra no município de Petrolina. Todas no Estado de Goiás.”
 
Apesar de ter diversificado sua produção em outras regiões do Estado, a perda em Souzânia deixou marcas profundas em Mirson. Um episódio, segundo ele, difícil de superar. “Eu não tinha seguro rural, ainda não tenho, e esse é o problema, né? Eu tinha planos de investir mais e foi tudo perdido. Tem um ano que estou lutando. Ainda bem que eu tenho outras áreas em outros municípios, mas que também passaram por problemas envolvendo questões climáticas, muita chuva. Vamos pelejando para passar por cima disso.”


Mirson durante o trabalho em agosto de 2025 (Foto: arquivo pessoal)
 
A experiência de Mirson reflete a vulnerabilidade de milhares de produtores brasileiros diante das instabilidades climáticas. Em Goiás, assim como em outras regiões do País, os agricultores convivem com cenários extremos. Há excesso de chuvas em determinados períodos, estiagens prolongadas em outros e o aumento expressivo do número de queimadas. Esses fatores, somados, evidenciam a importância da contratação do seguro rural como ferramenta de proteção e sobrevivência financeira.
 
Casos como o do produtor goiano também mostram que um único evento climático pode comprometer anos de trabalho, investimentos e projetos futuros. Sem cobertura, o produtor fica à mercê de recuperar sozinho um prejuízo que, muitas vezes, é maior do que sua capacidade financeira. O seguro rural, nesse contexto, surge como um apoio e como um mecanismo essencial para garantir a continuidade da atividade agrícola frente a um cenário desafiador. 

Em meio à crescente imprevisibilidade que desafia o setor agropecuário, o seguro rural se coloca como pilar de estabilidade econômica no campo. Embora os dados mais recentes apontem queda na arrecadação e nas indenizações pagas em Goiás, o instrumento permanece essencial para mitigar riscos e garantir a continuidade da produção diante de perdas provocadas por eventos climáticos extremos ou flutuações de mercado.
 
De janeiro a maio de 2025, Goiás arrecadou R$ 532,7 milhões em prêmios de seguro rural, uma queda de 15,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo levantamento da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). No mesmo intervalo, o volume de indenizações pagas a produtores goianos caiu 47,2%, passando de R$ 121,9 milhões em 2024 para R$ 64,4 milhões neste ano. 
 


 
"Em Goiás, assim como em Mato Grosso, a queda está diretamente ligada à inadimplência e ao ciclo de renegociação de dívidas. Os produtores enfrentam margens apertadas, juros elevados e problemas climáticos, fatores que reduziram o volume de crédito disponível na região e, consequentemente, a contratação de seguros para a safra de inverno. Trata-se de um efeito em cadeia: menos crédito, menos seguro", explica o  Glaucio Toyama, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg). 
 

Glaucio Toyama, presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg (Foto: divulgação)

Mesmo diante do recuo observado, o Estado ocupa o quarto lugar no ranking nacional de seguro rural, atrás apenas de Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. "Goiás é dos maiores produtores agrícolas do Brasil. O Estado produz de tudo: soja, milho, algodão, sorgo, girassol, café e pecuária. Só que enfrenta uma volatilidade climática muito maior que a do vizinho Mato Grosso. Essa exposição faz com que os produtores busquem mais seguro e, ao longo dos últimos anos, esse movimento vem se repetindo. O que pode atrapalhar esse ciclo é a restrição ao crédito. Sem crédito, o produtor não consegue financiar a produção e, naturalmente, não consegue contratar seguro", reforça. 
 
A retração em Goiás acompanha a tendência observada no cenário nacional, mesmo com nuances distintas. No acumulado até maio, o Brasil registrou R$ 5,12 bilhões em arrecadação de prêmios, recuo de 2,4% em relação ao mesmo período de 2024. Já as indenizações somaram R$ 2,13 bilhões, com retração de 19,1%. Essa dinâmica mostra um período de menor sinistralidade climática em algumas regiões, mas não elimina a função vital do seguro rural como amortecedor de perdas e garantia de liquidez ao produtor em caso de intempéries.
 

 
O custo da apólice é frequentemente apontado pelo homem do campo como obstáculo, mas o mercado tem avançado em soluções para tornar o seguro mais acessível. “O produtor muitas vezes compara a taxa do seguro com a taxa de juros, mas são coisas diferentes. Para ilustrar: neste ano a taxa de juros está em torno de 15%, enquanto a taxa de risco do seguro fica bem abaixo disso. Ainda assim, temos buscado soluções mais flexíveis para tornar o produto mais acessível”, afirma o representante da FenSeg. Glaucio Toyama cita exemplos como o seguro por faixas, que permite acionar a cobertura apenas a partir de determinado nível de perda, reduzindo o custo para culturas como a soja e para a pecuária, além do seguro paramétrico, que pode ser customizado com gatilhos climáticos.

Toyama reforça que a instabilidade climática tende a reforçar a necessidade de proteção, especialmente em Goiás. “As queimadas de 2024 acenderam um alerta. Incorporamos esse risco às análises porque vimos prejuízos grandes, inclusive na qualidade do solo, com perda de matéria orgânica que pode comprometer a produtividade por várias safras. Quanto às geadas atípicas, já estão no nosso radar há anos. O triste é que boa parte dos produtores atingidos pelas queimadas não tinha seguro agrícola, patrimonial ou florestal, e ficaram sem nenhuma indenização. Esse é o tipo de situação que mostra, na prática, o quanto a proteção é necessária”, ressalta.

Quem viu de perto a importância do seguro rural foi o produtor goiano Aguimar Júnior, de 28 anos. Há dez anos se dedicando à vida no campo, ele cultiva soja, milho e sorgo safrinha nos municípios de Trindade e Itapirapuã. A confiança no seguro veio depois de enfrentar um episódio marcante. É que na safra 20/21 ele viveu um susto ao presenciar um incêndio na lavoura e ver todo o trabalho árduo se perder em instantes.
 
Ao todo, viraram cinzas 35 hectares de safrinha da cultura do sorgo. A área atingida corresponde a aproximadamente 49 campos de futebol. A partir deste cenário e também do avanço da crise do clima, o jovem conta que sentiu a necessidade de contratar um seguro rural para as lavouras e também para os maquinários tecnológicos, que são de alto custo.
 
"Nos últimos anos, em decorrência de uma chuva menos regular, temperaturas elevadas e fatores climáticos que fogem totalmente do nosso controle, a aquisição de seguro rural se faz indispensável. O risco do investimento na lavoura se expandiu devido a essas intempéries. A atividade impactada pelo incêndio causou um prejuízo significativo", detalhou ao ressaltar que hoje colhe tranquilidade ao saber que seu negócio está seguro. 


Aguimar Júnior, produtor rural (Foto: arquivo pessoal/Aguimar Júnior)
 
Para Aguimar, que também é engenheiro agrônomo, o seguro rural ganha ainda mais valor quando é adaptado à realidade de cada propriedade. Segundo ele, é possível contratar apólices personalizadas que ajudam a reduzir riscos em diferentes situações, como áreas já plantadas, solos arenosos, regiões fora do zoneamento, uso de sementes próprias sem certificação, áreas de primeiro ano de cultivo, pós-pastagem ou até em sistemas com culturas rotacionadas e intercaladas.
 
"Recomendo para os colegas produtores o seguro rural
para que se tenha uma segurança a mais na safra.
A fazenda é uma indústria a céu aberto e que
não controlamos os fatores externos. Quanto menos
risco correr nesse investimento tão alto, melhor"

(Aguimar Júnior, produtor rural)

O seguro rural abrange diferentes modalidades, que protegem bens distintos, desde o patrimônio até a atividade. Assim sendo, mesmo que os custos promovam resistência na contratação, deve ser tratado como um plano de saúde em que não se precisa sempre, mas quando é necessário é um fator de prevenção de maiores danos. 
 

Para o presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, Glaucio Toyama, o desafio não está na falta de interesse do produtor, mas em oferecer soluções viáveis dentro da realidade financeira do campo. “A vontade de contratar seguro existe. O produtor quer se proteger, mas precisa de produtos adequados e que caibam na planilha de custos da produção. O mercado deve continuar crescendo, só que isso exige planejamento”, afirma.
 
Segundo Toyama, a expansão desse mercado depende de uma construção coletiva. “Seguradoras, produtores, governo federal, e também o governo estadual, precisam estar alinhados. Goiás é estratégico para o agro e para o mercado segurador. Se conseguirmos estruturar um programa sustentável em parceria com o estado, não será apenas a contratação de seguros que vai ganhar fôlego, mas toda a economia goiana”, conclui.




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