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Marco Histórico

100 anos de Art Déco: patrimônio que desafia o tempo em Goiânia

Estilo moldou a construção da nova capital | 27.04.25 - 07:59 100 anos de Art Déco: patrimônio que desafia o tempo em Goiânia Edifícios históricos no Centro de Goiânia (Fotos: reprodução)Samuel Straioto

Goiânia
- Goiânia carrega, em suas ruas e edificações, uma herança arquitetônica rara no Brasil: o estilo Art Déco. Nesta segunda-feira (28/4), o movimento completa 100 anos desde que recebeu seu nome oficial, e a capital goiana se movimenta entre celebrações, ações culturais e uma reflexão urgente sobre a preservação de seu legado urbano.

A proposta de comemorar o centenário do Art Déco reacende discussões sobre identidade, memória e futuro. O que torna Goiânia um ponto de destaque mundial nesse contexto? Como manter viva essa herança diante de um Centro Histórico esvaziado, reformas mal conduzidas e o avanço da especulação imobiliária? Essas são algumas das questões que ganham força em meio às atividades previstas para este ano.

O que é o Art Déco?
O Art Déco é um movimento artístico e arquitetônico que floresceu nas primeiras décadas do século XX e se consolidou como um símbolo de modernidade, sofisticação e inovação estética. Suas principais características incluem o uso de formas geométricas, linhas retas, simetrias bem definidas e uma ornamentação que alia elegância e funcionalidade.

Mais do que uma expressão decorativa, o Art Déco refletia os anseios de uma sociedade em transformação, que via na tecnologia e na racionalização da vida urbana uma promessa de futuro. O estilo ganhou força a partir da Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris, em abril de 1925, considerada o marco inaugural do termo e do movimento.

A mostra reuniu milhares de expositores de diferentes países e apresentou ao mundo uma nova maneira de pensar a relação entre arte, arquitetura, design e indústria. O nome “Art Déco” deriva da expressão francesa “arts décoratifs” e tornou-se sinônimo de um estilo que influenciou desde o desenho de móveis e vitrines até grandes projetos urbanos.

Um século de Art Déco: do glamour parisiense à paisagem goianiense
Foi em abril de 1925 em Paris, que o mundo conheceu oficialmente o termo “Art Déco” — uma estética que unia elegância, funcionalidade e geometria. Inspirado pelo otimismo da modernidade industrial, o estilo ganhou o mundo com seus traços retos, formas estilizadas e materiais como ferro, vidro e concreto armado.

Em Goiânia, o Art Déco se consolidou como a linguagem oficial da nova capital, idealizada pelo então governador Pedro Ludovico Teixeira. A cidade foi pensada para ser moderna, e o Art Déco serviu como tradução visual dessa modernidade. Desde então, o estilo passou a moldar escolas, hospitais, órgãos públicos e residências particulares, deixando marcas profundas na paisagem urbana goianiense.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Goiânia possui o segundo maior acervo de construções Art Déco do mundo, atrás apenas de Miami, nos Estados Unidos. Atualmente, 22 bens estão tombados pelo Iphan, como o Grande Hotel, o antigo prédio do INSS, o Palácio das Esmeraldas e o Coreto da Praça Cívica.


Coreto da Praça Cívica (Foto: Iphan)

Como citado acima, Miami, nos Estados Unidos, detém o maior acervo do estilo no mundo. A cidade americana se destaca pelo preservado Miami Beach Historic District, com mais de 800 edifícios Art Déco que continuam a atrair turistas e estudiosos do mundo inteiro.


Palácio das Esmeraldas (Foto: LeoIran)

A arquiteta Ana Clara Nascimento destaca que “o Art Déco em Goiânia não é apenas um detalhe estético, mas um projeto de cidade que traduzia, à época, um ideal de progresso”. Para ela, valorizar esse patrimônio é preservar a memória de como a capital foi pensada desde sua origem.

O desafio de preservar o que moldou Goiânia
Apesar da importância histórica e cultural, o legado Art Déco em Goiânia sofre com abandono, descaracterização e desvalorização. Diversas fachadas originais estão escondidas por letreiros comerciais, reformas irregulares ou descaso dos proprietários. A chamada “Lei das Fachadas”, criada para preservar a integridade estética desses prédios, enfrenta dificuldades de aplicação prática e pouca adesão.

O Centro de Goiânia, região que concentra grande parte dessas construções, vive um processo de esvaziamento urbano e comercial. Antigos edifícios estão desocupados ou em mau estado de conservação, enquanto novos empreendimentos ignoram a linguagem arquitetônica original.

“O que se observa é um processo de apagamento dessa memória urbana. Quando uma fachada Art Déco é coberta ou descaracterizada, perdemos a chance de contar a história da cidade com imagens concretas”, afirma o historiador Silvano da Rocha.

Segundo o urbanista Miguel Correia, é fundamental que o poder público estimule a revitalização com incentivos fiscais e apoio técnico: “Não se trata apenas de tombar imóveis, mas de criar condições reais para que sejam ocupados, vivenciados e reconhecidos pela população”.

A celebração do centenário: eventos e mobilização
A Secretaria Municipal de Cultura (Secult) anunciou uma programação especial com oficinas, painéis artísticos, caminhadas culturais, sinalização dos bens tombados e produção de materiais educativos.


A ideia é transformar o centenário em um momento de resgate e reconexão com a história da cidade, promovendo educação patrimonial e criando vínculos entre população e território. Ações de mapeamento, sinalização e valorização do Centro estão entre os objetivos centrais da agenda de comemoração.

Potencial global do Art Déco goianiense
Para o artista e idealizador do Goiânia Art Déco Festival, Gutto Lemes, o centenário é uma janela de oportunidade internacional: “O mundo está celebrando o movimento Art Déco através do centenário e esse é o momento de mostrar o que temos de melhor por meio de nossa arquitetura. É imperativo aproveitar o título de patrimônio nacional tombado Art Déco desde 2003!”.

Ele cita o exemplo de Miami, que revitalizou sua área histórica após receber o título similar. “Goiânia é uma das cidades mais importantes do mundo nessa arquitetura, pois a capital foi edificada nesse estilo moderno no início do século passado. Podemos ainda aproveitar a proximidade com Brasília e realizar intercâmbios turísticos e culturais”, propõe. Para isso, defende a implementação de sinalização bilíngue e mapas informativos para receber melhor o turismo estrangeiro.

À frente do Goiânia Art Déco Festival há oito anos, Gutto articula ações que unem educação, cultura e turismo. “Exposições de desenhos, pinturas e fotografias são recorrentes desde a primeira edição. A cada ano experimentamos novas formas de expor artistas e obras”, relata. Em relação ao centenário, ele adianta que a programação está sendo elaborada.

Sobre o vínculo entre a juventude e o patrimônio, Gutto propõe que a educação patrimonial comece ainda na infância. “A inserção da arquitetura na grade do ensino fundamental ajudaria a formar jovens mais interessados no tema. Enquanto isso não acontece, o ideal é realizar mostras e exposições nos bens tombados para fortalecer o sentimento de pertencimento.”

Apesar dos esforços, ele reconhece que o engajamento popular ainda é baixo. “Falta engajamento do poder público, instituições de ensino, entidades de preservação, trade de turismo e veículos de comunicação. O que precisamos é de uma força-tarefa para divulgar e promover nosso acervo.”

Visibilidade e Futuro
Gutto acredita que a visibilidade externa pode ser um ponto de virada. “Muito pouco interesse. A mudança só acontecerá com intensidade se for de fora pra dentro”, afirma, citando a repercussão de uma matéria publicada no New York Times em 2017 como exemplo de impacto positivo.

Por fim, ele destaca a capacidade do Art Déco de dialogar com linguagens contemporâneas: “Já fizemos eventos como o Circuito Déco de Gastronomia, artistas pintando ao vivo os bens tombados e audiências públicas para sugerir leis que fortaleçam o estilo. O Art Déco já nasceu plural, e continua sendo”.

Mais do que uma celebração simbólica, o centenário do Art Déco em Goiânia representa uma oportunidade concreta de repensar a cidade. Reconhecer o valor histórico das construções é o primeiro passo, mas é preciso ir além: criar condições para sua preservação, integrá-las a políticas públicas e desenvolver projetos sustentáveis que dialoguem com o presente.

O estilo que um dia representou o futuro moderno do Brasil central hoje pede um novo olhar. Um olhar que reconheça sua força estética, seu papel como vetor de cultura e turismo, e, acima de tudo, sua capacidade de contar a história viva de uma cidade em constante transformação.

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Comentários

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  • 27.04.2025 09:36 Wendel de Jesus Costa

    Que excelente abordagem a esse que é um assunto tão essencial nos dias de hoje: preservação histórico cultural de um povo. Tão abandonado quanto os lindos prédios e legados do estilo Art Déco estão a memória e a visão cultural do goianiense (um fenômeno brasileiro)

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