Brasília - Respirar revolta. Essa foi a forma com que a aposentada Rosileuda Rodrigues, de 57 anos, encontrou para se manter com esperanças. Ela se diz indignada diante do vizinho que tornou a sua vida e de sua comunidade um pesadelo desde 2016. O vizinho é o lixão de Padre Bernardo, chamado de Aterro Sanitário Ouro Verde, que desabou no último dia 18 e foi interditado pela justiça na última quinta-feira (26/6).
Logo depois do desabamento, a moradora do distrito de Monte Alto chegou a ficar internada por três dias por problemas respiratórios. “Mesmo depois de interditado, o cheiro continua forte. Acho que nunca mais nosso lugar vai ser o que já foi”, lamenta a moradora que é uma das pessoas que estará neste domingo (29/6), às 14h, em um ato que pede o fechamento definitivo do aterro Ouro Verde.
A preocupação da população tem importantes motivos, segundo o engenheiro florestal Fábio Miranda, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele, que é chefe da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio Descoberto, explica que o lixão de Ouro Verde, monitorado desde a sua implantação, se tornou um desastre ambiental sem precedentes na região.
“Foram diferentes autuações e embargos. Não havia autorização ambiental, nem licenciamento e funcionava sob liminar. Essa área já era embargada há bastante tempo pelo ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e pelo Estado e mesmo assim continuava funcionando”, lamenta.
Miranda avalia que a população era vigilante e sempre denunciava. Após o desabamento no dia 18, o Ministério Público levou, de novo, à Justiça o pedido para interditar o lugar. No dia 26, o juiz federal Társis Augusto de Santana Lima, de Luziânia, em Goiás, tomou a decisão que voltou a animar a comunidade, o que incluiu bloquear R$ 10 milhões das contas da empresa e deixar indisponíveis bens avaliados em R$ 2,2 milhões.
O maior desastre
O desmoronamento, segundo Fábio Miranda, do ICMBio, foi o maior desastre da região. “É uma montanha de 40 mil metros cúbicos de lixo que está despejando um líquido altamente poluidor, que vai contaminar por muito tempo esse curso d'água. A gente ainda não tem dimensão até onde ele vai chegar”, acrescenta. Esse lixo, explica o engenheiro, vem de empresas privadas do Distrito Federal que enviam para a região “porque teriam um valor mais em conta de recursos”.
Por isso, são lixos de diferentes características sem qualquer separação ou tratamento, como poderia se esperar de um aterro sanitário. “A gente tem até dificuldade de mensurar o que esses resíduos caracterizam”. Ele explica que o Rio Maranhão está na bacia do Rio Tocantins-Araguaia, uma das principais do país. “Nesse momento, a nossa preocupação é tentar minimizar os efeitos para a população de um desastre dessa proporção. Agora, a gente ainda vai demorar um tempo para mensurar esse dano”, avalia.
Córrego Santa Bárbara
Para o presidente da Organização Não Governamental (ONG) Amigos das Veredas, Flávio do Carmo, o chorume comprometeu o lençol freático no Córrego Santa Bárbara, que faz parte da Bacia do Maranhão.
“Trata-se de uma área histórica. Pela rota do Rio do Sal havia o comércio no Brasil Colônia”, acentua. O ambientalista contextualiza que esse lugar tem força e maior potencial para o ecoturismo, por exemplo. “Mas hoje essa poluição comprometeu a fauna, a produção rural e o abastecimento de água para as pessoas. É preciso ter um processo de compensação ambiental para a comunidade”, opina.
A contaminação do Córrego Santa Bárbara e do Rio do Sal e o espalhamento da fuligem tóxica colocaram em alerta o município de Padre Bernardo, o Estado de Goiás e o Distrito Federal. “O nosso esforço é para que todas as ações de descontaminação e de retirada desse lixo sejam feitas antes do período chuvoso. As ações emergenciais têm que ser tomadas nesse período de 90 dias até o início das chuvas”, acentua Fábio Miranda, do ICMBio.
Segundo autoridades locais, as primeiras análises mostraram um aumento “muito grande” também de poluentes na água. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad) identificou maior presença de sólidos totais dissolvidos, alteração na salinidade e redução do pH da água [medida do grau de acidez ou alcalinidade da água].
“A gente tinha avisado”
A comunidade tem recebido com desconfiança a presença de gestores municipais. Quando a equipe de reportagem da Agência Brasil esteve no local, os moradores mostraram descontentamento. “A gente tinha avisado que essa tragédia estava anunciada para acontecer”, garante a professora Joana D´Arc Sousa, de 51 anos, ao prefeito Joseleide Lázaro. “Agora, a gente precisa dessa solução nesse momento. Porque nós estamos sofrendo com isso aqui”, reclama.
Em resposta, o prefeito garantiu que a gestão está lado a lado com a população “desde o primeiro dia que aconteceu essa tragédia”. Mas enquanto ele defendia a posição, representantes da comunidade discordavam. Mas ele disse que seria necessário interditar o lixão. “Qualquer empreendimento que cause danos a terceiros não pode funcionar (...) Quem tem competência para licenciar aterros sanitários é o Estado. Infelizmente, naquela época, foi licenciado e foi renovado em 2018”, defende-se Lázaro.
Até dois meses
O superintendente de fiscalização da secretaria estadual, Marcelo Salles, explica que a ação principal neste momento é liberar a parte do lixo que está sobre o manancial. “Cessar essa contaminação da água. Em seguida, a gente vai acompanhar todas as ações para a retirada desse lixo com o menor impacto ambiental possível”. Segundo ele, esse trabalho deve durar entre um e dois meses. (Agência Brasil)