Jales Naves
Especial para A Redação
Goiânia - Uma das figuras mais icônicas da cultura brasileira, o carioca Vinícius de Moraes, poeta, compositor, teatrólogo, jornalista e diplomata, foi, acima de tudo, um grande apaixonado pela arte. A observação é do jornalista, historiador, radialista e musicólogo Ricardo Cravo Albin, presidente do PEN Clube do Brasil e um dos maiores pesquisadores da Música Popular Brasileira, em palestra no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na manhã desta sexta-feira, dia 8. Conforme ressaltou, ele “nos deixou um legado de beleza, amor e sensibilidade. É o exemplo perfeito de como a arte pode unir pessoas e culturas, sendo eternamente lembrado por sua capacidade de transformar o cotidiano em poesia e música. Sua obra continua viva nas ruas, nos corações e nas vozes de cantores e poetas”.
Com o tema “Vinícius de Moraes, sentimento e êxtase”, o Presidente do PEN Clube procurou explorar sua vida, suas parcerias e sua imensa contribuição para a música e para a literatura do Brasil e do mundo. O objetivo, conforme explicou, foi compreender o seu legado, “desde a infância ao impacto de sua obra na MPB, na Bossa Nova, e até mesmo em sua poesia”. “Um ser humano plural, até pelo vaticínio da letra S em seus dois nomes, não foi somente isso. Foi muitíssimo mais”, disse. Além de letrista, era compositor, “e dos bons”. “Aí estão jóias que não me deixam mentir, como “Serenata do Adeus” ou “Medo de Amar”, duas canções dotadas de insinuantes melodias”, afirmou.
Dentre as lembranças, a de que Vinícius, logo depois de cassado “pela truculência do AI-5”, disse-lhe, em noite de desconsolo no Antonio’s, que iria dar um troco na ditadura, fazendo shows para os universitários do Brasil. “Dito e feito. Tanto que o espetáculo “O poeta, a moça e o violão” (com Toquinho de um lado e do outro Maria Creuza, ou Maria Bethânia, ou Clara Nunes, ou Maria Medaglia) representou um farol de luz, beleza e dignidade na noite daqueles anos de chumbo”. “Nos anos 70, enquanto muitos de seus melhores amigos estavam exilados, resistia, dardejante, jogando beleza e verdade de suas músicas com Toquinho, seu derradeiro parceiro, as canções mais cantadas da década”.
Influência familiar
Nascido Marcus Vinícius da Cruz de Melo Morais, no dia 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, era filho de pais que tinham uma forte ligação com a música: sua mãe, Lídia Cruz de Moraes, era pianista, e seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, violonista amador e poeta, além de funcionário da Prefeitura. “Isso contribuiu para que ele desenvolvesse uma sensibilidade artística desde muito jovem”, disse.
Na infância ele já se destacava nas atividades escolares, escrevendo seus primeiros versos e se envolvendo com a música. Em Botafogo e na Ilha do Governador começou a dar seus primeiros passos no universo artístico, encontrando inspiração em sua família e nas visitas de músicos como Bororó. Foi no Colégio Santo Inácio que se destacou no coro e nas peças de teatro.
Em 1929 ingressou na Faculdade de Direito do Catete, onde conheceu e tornou-se amigo do romancista Otavio Faria, que o incentivou na vocação literária. Concluiu o curso em 1933. Em 1936, obteve o emprego de censor cinematográfico no Ministério da Educação e Saúde. Em 1938, ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas em Oxford. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no jornal “A Manhã”, tornando-se também colaborador da revista “Clima” e trabalhando no Instituto dos Bancários.
Em 1942, foi reprovado em seu primeiro concurso para o Itamarati e aprovado no ano seguinte. Em 1946 assumiu o primeiro posto diplomático em Los Angeles, como vice-cônsul. Em 1950, com a morte do pai, retornou ao Brasil. Nos anos 1950, atuou diplomaticamente em Paris e em Roma.
Música e poesia
Vinícius começou sua carreira musical – como explicou – na década de 1930, mas foi nos anos 1950 que ele realmente se estabeleceu como uma das figuras centrais da MPB. Sua parceria com Antônio Carlos Jobim, que se iniciou com a peça ‘Orfeu da Conceição’, “foi crucial para a criação da Bossa Nova”, argumentou.
Ele passou grande parte dos anos 50 e 60 no exterior, onde sua música e poesia se tornaram ainda mais reconhecidas internacionalmente. Seu trabalho em “Orfeu do Carnaval”, filme de 1959, ganhou a Palma de Ouro em Cannes, e a canção “A felicidade”, que compôs com Jobim, se tornou um clássico mundial.
Em 1956, quando compôs a trilha sonora para a peça, Vinícius lançou um marco na música e fundou a parceria com Jobim, que resultaria em clássicos imortais, como ‘Garota de Ipanema’, ‘Chega de saudade’ e ‘Desafinado’. “Esse encontro não só moldou a Bossa Nova como a conhecemos, como também o firmou como um dos maiores poetas e compositores da história da música brasileira”. Ele também trabalhou com outros grandes nomes, como Baden Powell, parceria que rendeu, por exemplo, o álbum “AfroSambas” (1966), com destaque para canções como “Canto de Ossanha” e “Canto de Iemanjá”; Carlos Lyra e Edu Lobo.
Ele foi também um poeta prolífico, publicando livros como “Antologia Poética” e “Para Viver um Grande Amor”. “Sua poesia tem um caráter intimista e sensível, que dialoga com suas canções, explorando o amor, a saudade, a felicidade e o sofrimento”, afirmou. Além de suas obras literárias, ele se dedicou ao jornalismo, com crônicas e ensaios que evidenciam uma visão de mundo e sua habilidade com as palavras. “Sua poesia, muitas vezes, transcendia as páginas, sendo recitada em seus shows e tornando-se parte do cotidiano dos brasileiros”.
Nos anos 70 Vinícius formou uma das parcerias mais bem-sucedidas de sua carreira, com o violonista Toquinho e juntos criaram grandes sucessos, como “Tarde em Itapoã” e “Testamento”. Essa parceria resgatou e renovou o espírito da MPB, levando sua obra a novos públicos.
Ele teve um papel importante na música infantil. Seu livro “A Arca de Noé” foi adaptado para discos e shows, com músicas que se tornaram queridas por gerações. “A obra de Vinícius de Moraes é vasta, profunda e continua a influenciar gerações de artistas. Seu trabalho transita entre a poesia, o samba, a bossa nova e a música popular brasileira, permanecendo atemporal”, reforçou.