Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

REPORTAGEM ESPECIAL

Da operação ao comando: mulheres avançam na indústria goiana

Qualificação abre portas para cargos de chefia | 22.09.25 - 08:16 Da operação ao comando: mulheres avançam na indústria goiana programas de capacitação técnica têm sido fundamentais para abrir espaço para mulheres em áreas majoritariamente dominadas por homens (Foto: www.simmmem.org.br)
Adriana Marinelli

Goiânia
O ronco grave de um trator pesado já não assusta Hortência Maria Alves. Para ela, o som é quase uma trilha sonora de conquistas, que embala a rotina de muito trabalho em Goianésia, onde atua como operadora de máquinas agrícolas na Jalles, uma das maiores agroindústrias do setor sucroenergético nacional. Fundada em 1980, a Jalles produz açúcar cristal e orgânico, etanol, levedura, produtos de higiene e de limpeza e energia elétrica, abastecendo mercados no Brasil e no exterior.

Há dez anos, Hortência começou no campo com a enxada na mão. Era rurícola, responsável pelas atividades mais simples do plantio. Mas a curiosidade falou mais alto. E, mais do que isso, a levou para postos mais altos também. “No dia a dia, eu ficava muito perto das máquinas. Via os transbordos passarem e crescia uma vontade de conhecer, de saber como era trabalhar com tratores”, lembra.
 

Hortência Maria Alves, operadora de máquinas agrícolas (Foto: divulgação)
 
O desejo virou conquista. É o que garante Hortência. “Primeiro com máquinas pequenas, depois médias. Hoje opero trator pesado. Isso para mim é muito gratificante”, conta, orgulhosa do cargo de Operadora III. De lá para cá, ela também assistiu a outras mulheres conquistarem espaço na usina. “Nesses dez anos, vi muitas oportunidades. Isso me motiva ainda mais.”
 
Enquanto Hortência, no campo, dá a partida ao ciclo produtivo conduzindo tratores que preparam a cana para se transformar em açúcar e energia, é Fernanda Castro de Mendonça quem conclui esse trabalho com zelo e estratégia. À frente das negociações internacionais, a gerente de exportação da Jalles há seis anos deixou São Paulo para assumir a missão de levar o açúcar orgânico produzido em Goiás a mais de 20 países.
 

Fernanda Castro de Mendonça, gerente de exportação  (Foto: divulgação)
 
Em um setor historicamente dominado por homens, Fernanda enxerga sua trajetória na agroindústria como uma grande conquista, fruto de muito trabalho. “Quando surgiu a oportunidade de integrar a equipe, vi como um grande privilégio. Para quem trabalha com comércio exterior, é uma chance rara”, afirma, mas sem deixar de citar as barreiras. “A mulher precisa de uma carga maior de comprovações. O que é facilmente reconhecido em um homem, em nós exige esforço adicional.”
 
As histórias de Hortência e Fernanda se entrelaçam em uma realidade que vem ganhando cada vez mais espaço: a da mulher na indústria. E, no caso da Jalles, que conta com três plantas industriais, sendo duas em Goianésia e uma em Santa Vitória (MG), essa transformação é visível em números. Dos cerca de 6 mil funcionários ativos, 25% são mulheres. Uma representatividade que rendeu reconhecimento. No primeiro semestre deste ano, a empresa foi eleita, em pesquisa realizada pela Cana Online, como a usina brasileira que mais emprega mulheres. O prêmio chegou como um estímulo adicional e fez com que os responsáveis pela usina intensificassem as ações no sentido de ampliar ainda mais o quadro feminino entre os colaboradores. 
 

 
A presença de mulheres no setor industrial do Estado vai além de histórias individuais como as de Hortência e Fernanda. Em Goiás, a inclusão desse perfil de colaboradora vem crescendo de forma significativa. Segundo dados do Instituto Euvaldo Lodi (IEL Goiás), apenas no mês de julho de 2024, a contratação de mulheres nas indústrias do Estado teve um aumento de quase 400% em comparação ao mesmo período do ano anterior, evidenciando um movimento de diversificação e valorização da força de trabalho feminina.
 

 
Para Lorena Blanco, advogada e presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), os números confirmam uma tendência de transformação no setor. “Esse aumento significativo na presença feminina reflete, sem dúvida, um movimento muito positivo e promissor na indústria. Ele simboliza tanto o reconhecimento do mercado quanto o empenho das mulheres em buscar formação e se ajustarem às novas exigências do mercado, especialmente em um contexto cada vez mais tecnológico e competitivo”, afirma.
 
Segundo ela, programas de capacitação técnica têm sido fundamentais para abrir espaço para mulheres em áreas majoritariamente dominadas por homens. “O que observamos atualmente é o investimento constante em capacitação, que tem possibilitado a presença feminina em setores anteriormente pouco explorados, e a iniciativa das próprias mulheres, que têm procurado especialização e se destacado por sua habilidade e comprometimento”, reforça.
 
A valorização também se reflete na questão salarial. Em Goiás, o rendimento médio das mulheres atingiu R$ 2.730 no último trimestre de 2024, o maior valor da série histórica do Instituto Mauro Borges (IMB), que acompanha esses dados desde 2012. Esse montante representa um aumento real de 4,32% em relação ao mesmo período do ano anterior.
 
Apesar do avanço, a realidade nacional ainda revela desafios. Embora as mulheres representem a maioria da população brasileira (51,5%, segundo o mais recente Censo Demográfico do IBGE), na indústria, mesmo com a ascensão, elas ainda correspondem a apenas 29,6% dos empregos formais no País, de acordo com levantamento do Ministério do Trabalho divulgado no primeiro semestre deste ano.

A desigualdade também é vista nos cargos de liderança. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que menos de 30% das posições de comando são ocupadas por mulheres. A representante da Fieg enxerga esse cenário como resultado de barreiras estruturais que vão além do ambiente corporativo. “Fatores como a carga desproporcional de demandas pessoais, responsabilidades familiares e até mesmo a falta de acesso a redes de apoio impactam diretamente o tempo e a energia que muitas mulheres conseguem dedicar ao desenvolvimento de suas carreiras”, avalia Lorena Blanco.
 

Lorena Blanco, advogada e presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão da Fieg (Foto: divulgação)
 
A presidente do Conselho Temático da Fieg defende que políticas mais efetivas de incentivo à equidade sejam ampliadas dentro das empresas. “Aumentar oportunidades para que mulheres formadas e qualificadas, que já têm pleno preparo técnico, alcancem cargos de decisão. Programas de desenvolvimento de lideranças, gestão orientada por meritocracia e ambientes mais transparentes são ferramentas práticas que facilitam essa ascensão”, destaca.
 
O estudo da CNI revela que apenas 14% das empresas do setor industrial contam com áreas específicas dedicadas à promoção da igualdade de gênero e somente 5% possuem orçamento próprio para essas iniciativas. Se por um lado cerca 85% das indústrias ainda não estruturaram políticas formais de equidade, há sinais de mudança e de esperança. De acordo com o mesmo levantamento, representantes de 20% das empresas afirmaram ter a intenção de ampliar os recursos voltados a essas ações nos próximos anos, apontando para um futuro de maior inclusão.
 
E esse futuro inclusivo já se concretiza em vários locais. Em Anápolis, por exemplo, o Laboratório Teuto, referência no setor farmacêutico brasileiro e que completou 78 anos em 2025, mantém um quadro de funcionários quase equilibrado. Dos 3,5 mil colaboradores, 47,31% são mulheres. A empresa adotou políticas de valorização do trabalho que promovem equidade de gênero em todas as etapas da produção, do desenvolvimento à embalagem final, garantindo oportunidades iguais e reconhecimento profissional.
 
Ana Cristina Azevedo Bandeira, 46 anos, é um desses exemplos dentro da organização. Funcionária do Teuto há 12 anos, ela coordena o setor de injetáveis da indústria farmacêutica, liderando um grupo de mais de 280 colaboradores. “Estou em cargo de liderança na indústria há 15 anos”, vibra. “Atuo nos planejamentos, estratégias de melhoria dos processos, gestão das pessoas, alinhamentos com setores de apoio com foco em aumento de produção, redução de custos, aumento de qualidade e segurança”, resume.
 

Ana Cristina Azevedo Bandeira, coordenadora de produção (Foto: divulgação)
 
Antes da chegada de Ana Cristina ao posto de chefia, o setor era liderado por um homem.  “Considero que a responsabilidade é ainda maior do que é para eles. Precisamos, em algumas situações, mostrar que nossa capacidade para a função não está relacionada ao fato de ser mulher. As mulheres têm se qualificado cada vez mais e acredito que esse é um caminho natural", destaca. "Os espaços estão sendo conquistados e o mérito é de cada uma de nós que os buscamos com esforço, determinação e capacitação profissional”, acrescenta. 


 
A busca por qualificação citada por Ana Cristina é real. Em Goiânia, a Faculdade Senai Fatesg, referência na formação voltada para a indústria, tem registrado avanços importantes na presença feminina em seus cursos. De acordo com o diretor da instituição, Weysller Matuzinhos de Moura, as mulheres têm buscado cada vez mais conhecimento para atuar no setor e também em outras áreas. “Em 2022, apenas 16,2% dos alunos matriculados em cursos de tecnologia da graduação e pós-graduação eram mulheres. Hoje, em 2025, esse percentual já alcança 26,9%”, ressalta.
 

Weysller Matuzinhos de Moura, diretor da Faculdade Senai Fatesg (Foto: divulgação)
 
O diretor acrescenta que, considerando todo o público da Faculdade Senai Fatesg, que reúne cerca de 18 mil matrículas por ano, desde o programa Jovem Aprendiz até a pós-graduação, a presença feminina manteve-se em torno de 39% entre 2022 e 2025. 
 
 
Entre as mulheres que buscaram qualificação para crescer na indústria está Maxlene Lopes do Carmo, chamada carinhosamente de Max pelos colegas de trabalho. Sua trajetória é um reflexo do poder transformador da educação profissional e da força feminina dentro das fábricas. Aos 50 anos, e com 35 de experiência no setor, ela ocupa hoje o cargo de coordenadora de produção da GSA Alimentos, instalada no Polo Empresarial de Goiás, em Aparecida de Goiânia.
 
Max é prova de como a busca por conhecimento abre portas. Ela contou com formação no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), braço da Fieg, onde concluiu cursos técnicos em Alimentos, Elétrica, Pneumática e Automação. Mais tarde, ampliou os estudos com o tecnólogo em Processos Gerenciais e investiu em várias capacitações de liderança, entre elas Liderança de Alta Performance, Gestão de Pessoas, Recrutamento e Seleção, além de programas como Líder Mais e Líder em Linha de Produção.
 
Toda essa bagagem acadêmica se somou à experiência prática adquirida ao longo dos anos e lhe garantiu o respeito na fábrica. Hoje, Max coordena uma equipe de quase 50 profissionais e tem papel central no funcionamento da indústria, que produz, entre outros produtos, macarrão instantâneo, refrescos em pó, salgadinhos e misturas para bolo. “Sempre peguei os pontos mais fortes de cada chefe e trazia para a minha forma de liderar”, conta.
 

Max tem histórico de desafios e conquistas no setor industrial (Foto: Anna Stella/jornal A Redação)
 
Apesar das conquistas, ela lembra que ainda enfrenta barreiras comuns às mulheres no setor. “Em muitas reuniões, sou a única mulher entre vários homens. Mas acredito que a mulher deve tomar o seu lugar e mostrar sua competência”, afirma. Para ela, a liderança feminina é marcada por características próprias, como proximidade, diversidade e a construção de ambientes de trabalho mais acolhedores e colaborativos.
 
A história de Max também se cruza com o compromisso da própria GSA com a equidade de gênero. A empresa, que conta com 846 colaboradores, sendo 340 mulheres, mantém políticas voltadas à diversidade e criou benefícios como creche gratuita para filhos de funcionários de 6 meses a 6 anos, uma medida que apoia, sobretudo, a carreira das mulheres.


 
Lorena Blanco, presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão da Fieg, destaca que a presença feminina na indústria é uma pauta permanente dentro da Federação. Ela reforça que as agendas promovidas pela Fieg têm buscado preparar e atualizar as mulheres que atuam ou pretendem atuar no setor.
 
“Nossas ações são direcionadas à prática. Realizamos palestras, fóruns e workshops para incentivar discussões sobre iniciativas bem-sucedidas, conectar empresas a boas práticas e criar espaços com o objetivo de inspirar progressos”, afirma. Segundo ela, a Fieg também incentiva fortemente a formação técnica e o desenvolvimento de programas voltados para a construção de carreiras sólidas. "É importante apresentar a indústria como um campo de oportunidades. Por isso, um dos nossos pilares é promover a conscientização por meio de colaborações com instituições de ensino técnico, destacando a relevância das profissões industriais e apresentando caminhos para ingressar nesses setores”, explica.
 
Essas iniciativas, segundo a representante da Fieg, são fundamentais para fortalecer a confiança das profissionais e abrir portas em áreas tradicionalmente masculinas. "As indústrias estão passando por uma transformação significativa, impulsionada principalmente pelas demandas tecnológicas e pela necessidade de profissionais qualificados. Estamos seguros de que o crescimento observado será intensificado, pois o setor industrial precisa dessas lideranças que somam conhecimento técnico com visão estratégica, e as mulheres têm demonstrado competência em ambas as frentes”, finaliza. 

Leia mais:
Qualificação em IA fortalece a indústria e revela novos líderes em Goiás
 
 
 
 
 

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351