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Crítica

Filme 'Doméstica' consolida força do documentarista Gabriel Mascaro

Obra está na mostra do Lumière Bougainville | 06.02.13 - 10:27 Filme 'Doméstica' consolida força do documentarista Gabriel Mascaro (Foto: divulgação)
 
Fabrício Cordeiro, especial para o AR
 
Goiânia - Doméstica talvez seja um grande filme. O novo documentário de Gabriel Mascaro (Avenida Brasília Formosa, 2010) me deixou suspenso durante a primeira vez que o vi, no Festival de Brasília, sem saber direito o que fazer com aquilo que eu via. É um dos exemplares da força pernambucana presente na Mostra O Amor e as Paixões, ao lado de Era Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, que na verdade deve muito a Hermila Guedes, e o imperdível O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho. Muito interessante, por sinal, pensar Doméstica para uma dobradinha com o filme de Kléber, os dois longas sendo capazes de dialogar muito bem. Isso será possível na terça-feira, com horários que permitem assistir a um e, depois, outro. 
 
Aqui, Mascaro vai mais uma vez ao registro do cotidiano, organizando todo um material coletado no núcleo de sete famílias que possuem empregadas domésticas. A câmera, na verdade, é cedida aos adolescentes das famílias, responsáveis por tudo o que vemos e ouvimos ali. Quase sempre, são jovens nascidos ou tomados por gente já dentro dessas relações familiares-empregatícias de mais de 10 anos, e observar um discurso que eles tentam construir (até onde a edição do filme permita) munidos de câmera é de uma riqueza imediata. Penso se Doméstica não será um desses documentários descobertos por faculdades, podendo muitas vezes ser desgastado por aulas que somente o vejam tematicamente. É muito mais que isso.
 
Antes de cada residência ter seu momento por cerca de 10 minutos, câmera-garoto ou câmera-garota se apresentam. Em quase todas as introduções, há alguma vaidade e um humor bem sutil extraído de todo o conjunto do filme.  Durante a exibição no Festival de Brasília, eu reservava parte da atenção para o público e suas reações. Doméstica parece ter sido tomado como divertido (e é, algumas boas vezes), o que leva a um baque durante a filmagem dedicada a uma das empregadas.
 
Essas respostas dos espectadores, especialmente em sessões mais numerosas, parecem sugerir alguma leitura ou reflexo de nossas próprias ideias que temos, enquanto brasileiros, do serviço doméstico. Cada sessão do filme tende a um pequeno enigma (pelo que eu soube, à distância, da recente exibição em Tiradentes, lá foi um pouco diferente, mas vai saber...), experiências de um documentário genuinamente curioso pela complexa relação entre classes no país, algo de nossa história (e não só nossa, mas Doméstica é bem específico), e por como essa espécie de experimento rebate num público variado, ou de determinada classe, enfim, quase sendo possível pensar num "imaginário" do emprego doméstico.
 
Aqui na Amor, Morte e Paixões, será exibido num shopping localizado em região classe média, classe média alta. Vale lembrar que, em 2009, o documentarista nos trouxe Um Lugar ao Sol, sobre brasileiros que moram em coberturas, gente rica que, muitas vezes sem perceber ali em cena, entrega o quão isolados são do mundo ao seu redor. É um documentário com um ponto de vista muito preciso, crítico, distinto, sensação de estarmos meio infiltrados. Chega a ser um pouco assustador, em certos aspectos, e isso é muito bom em Um Lugar ao Sol.
 
Essa impressão de estar infiltrado também é sentida neste seu último trabalho, os jovens topando agir de pombos-correio para o diretor. Por mais que a maioria das famílias vistas em Doméstica seja, naturalmente, classe média, é notável a preocupação de Mascaro em escolher uma variedade de relações e histórias. Pelo menos duas delas surgem contra uma ideia pré-concebida de trabalho doméstico.
 
Dois (ou três) anos atrás, a iniciativa de apostar na guia do olhar de outros e gerar um documentário a partir disso teve em Pacific, de Marcelo Pedroso, um exemplo capaz de fascinar, sobretudo por, segundo os informes dos créditos, ter seus níveis de redução ainda mais subtraídos. O filme de Mascaro é uma espécie de irmão de Pacific, também exibindo uma essencialidade máxima da construção de cinema (e da "verdade documental") através da edição. Sinto ser seguro apontar que se trata da consolidação de um dos documentaristas mais interessantes a surgir no país.
 
Temos, então, um projeto arriscado desde seu ponto de partida. Lida com este elemento tão delicado e formador, sobretudo no desenvolvimento de um Brasil, que é a classe social e seu plural. Doméstica me deixou inquieto, e ainda fico tentando entender exatamente o porquê. Escrever sobre ele me parece tentativa frágil de pegar o filme no laço. Bem raro, filmes assim.
 

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