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GISMAIR MARTINS TEIXEIRA

O singular protagonista de “Nosso Lar 2: Os Mensageiros”

| 26.03.24 - 19:04
Na última semana chegou aos serviços de streaming a cinebiografia espírita “Nosso Lar 2: Os Mensageiros”. Com direção de Wagner Assis, o filme lançado este ano representa a continuação da primeira obra cinematográfica “Nosso Lar”, de 2010, que teve grande sucesso nas bilheterias nacionais, estimulando os produtores a revisitar o universo do transcendente espírita nesta sequência, que traz como subtítulo o nome do segundo livro psicografado por Chico Xavier a partir da escrita do médico espiritual que já se tornou conhecido entre os cinéfilos.
 
O filme que mostra a vida do personagem André Luiz em sua aclimatação no mundo dos espíritos se caracteriza como sendo de uma perspectiva única na cultura mundial sob o ponto de vista da história das ideias ou mesmo do imaginário. Sempre com a possibilidade de alguma surpresa, até onde se sabe, em nenhuma outra cinebiografia mundo afora se pode assistir o relato do dia a dia de um médico que está adaptando-se à vida no mundo dos espíritos, passando a exercer a sua profissão em uma dimensão mais ampla  do que aquela com que estava acostumado aqui no mundo físico.
 
Assim, o que torna o personagem André Luiz e sua biografia fílmica um evento peculiar, sob todos os títulos, é o contexto de seu imaginário na cultura universal. Segundo o biógrafo Marcel Souto Maior, em sua obra “As Vidas de Chico Xavier”, o nome André Luiz designava o irmão de Francisco Cândido Xavier. Durante dois anos, um cavalheiro espiritual se apresentou ao médium nascido em Minas Gerias, entretendo com ele duas horas de conversações diárias amenas. Após esse prazo, aquele verdadeiro gentleman espiritual convidou o médium que psicografou pouco mais de 500 livros para escreverem em parceria uma série de obras relatando facetas da vida no mundo dos espíritos.
 
Como é de domínio popular, a psicografia é, no âmbito do espiritismo sistematizado por Allan Kardec, a escrita em que um suposto espírito escreve pelas mãos do indivíduo denominado médium – do latim, “intermediário” – mensagens aos vivos. Da simples mensagem com característica epistolar se pode passar facilmente à produção de livros com temáticas transcendentais, numa dinâmica que os estudos teológicos poderiam denominar de anagógica, que é quando se passa do sentido literário ao místico e vice-versa. No universo anglófono, o termo correspondente a psicografia é “escrita automática”.
 
Ao terminar a psicografia da primeira das obras que escreveria, intitulada “Nosso Lar”, Chico Xavier perguntou com que nome o autor espiritual assinaria a produção. O médico desencarnado, conforme o jargão espírita, perguntou ao médium Xavier o nome do rapaz que dormia no quarto ao lado, que era irmão do renomado espírita. Ao ser informado que o jovem se chamava André Luiz, o autor espiritual adotou o nome como pseudônimo para esconder sua verdadeira identidade, pois se tratava de alguém conhecido publicamente, cuja maioria dos familiares ainda se encontrava no plano dos vivos, ou encarnados, à época, a década de quarenta do último século.
 
Mas a saga de André Luiz no campo cultural do espiritismo possui outras facetas ainda mais curiosas. Conforme também o jornalista Marcel Souto Maior, na década de 50 Chico Xavier travou conhecimento com o jovem estudante de medicina Waldo Vieira, também médium, que psicografava mensagens espirituais de um autor que se chamava André Luiz. Durante o diálogo de ambos os médiuns sobre a singular personagem, Chico Xavier e Waldo Vieira, ambos videntes, perceberam a presença de André Luiz, constatando que se tratava do mesmo espírito.
 
A partir dessa certeza, desenvolve-se uma singular parceria entre os dois médiuns e o médico espiritual. Nos anos de 1958 e 1959, André Luiz escreveria por Xavier e Vieira as obras “Evolução em Dois Mundos” e “Mecanismos da Mediunidade”, ambas recheadas de jargões técnicos da área médica e da física. Nas duas obras, o cinebiografado pelo filme espírita escrevia os capítulos pares através de um dos médiuns e os capítulos ímpares através do outro, ambos encontrando-se em cidades diferentes. Reunidos os capítulos, era impossível dizer qual dos sensitivos havia psicografado este ou aquele capítulo.
 
A correlação que André Luiz estabelece entre o binômio ciência-espiritualidade rendeu frutos singulares; como, por exemplo, artigo científico que um grupo de médicos brasileiros publicou na prestigiada revista científica internacional de medicina “Neuroendocrinology Letters”, no ano de 2013, em que os autores apontam na obra “Missionários da Luz”, a terceira do autor espiritual através de Chico Xavier, a correlação entre os conceitos emitidos na psicografia xavieriana e posteriores conclusões científicas na área da endocrinologia que dialogavam de perto com os enunciados do médico espiritual. O artigo se intitula, em português, “Aspectos históricos e culturais da glândula pineal” e a revista que o publicou é uma das mais importantes do mundo em sua área especializada.
 
No ano de 1964, Waldo Vieira abandonou o espiritismo, fundando posteriormente um campo de estudos intitulado conscienciologia, que a rigor representa uma repaginada na doutrina fundada e formulada por Allan Kardec na segunda metade do século 19, o espiritismo, que Vieira reescreve em terminologias recheadas de neologismos que representam uma reescritura de princípios doutrinários espíritas como, por exemplo, o termo “ressomar”, que encontra seu equivalente em “reencarnar”. Waldo Vieira passa, desde então, a criticar a religiosidade espírita, atacando de maneira sistemática a reverência do espiritismo pela figura de Jesus Cristo.
 
Registra o biógrafo de Chico Xavier que Waldo Vieira só interromperia seus ataques contra a doutrina kardequiana, após sua dissidência, para afirmar que a psicografia era um fato e que Emmanuel e André Luiz, duas das mais representativas entidades espirituais que se comunicavam por Chico Xavier, existiam mesmo. Sobre a real identidade de André Luiz, na obra “Meus Pedaços do Espelho”, a médica e médium espírita Marlene Nobre, amiga de ambos os médiuns quando trabalharam juntos por dez anos, afirma que Chico Xavier revelou a parentes do autor espiritual a sua verdadeira identidade, afirmando tratar-se do famoso médico sanitarista Carlos Chagas. A informação constante da obra de Marlene Nobre é corroborada por Waldo Vieira, conforme pode ser constatado na plataforma de vídeo Youtube, no link
 
Dessa foram, se Gilbert Durand define o imaginário como sendo o amálgama de imagens e suas relações no âmbito do pensamento humano, o que caracteriza cada expressão cultural já surgida na civilização, o diretor Wagner Assis, que dirigiu “Nosso Lar 2: Os Mensageiros”, teria trazido aos cinemas a cinebiografia do renomado sanitarista Carlos Chagas; isto, óbvio, no contexto do imaginário espírita.
 
* Gismair Martins Teixeira - Doutor em Letras, com Pós-Doutorado em Ciências da Religião. Professor e pesquisador. 

Comentários

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  • 06.04.2024 21:26 Ricardo

    Em qual streaming chegou? Busquei no stars e não aparece.

  • 26.03.2024 20:34 Gilberto Martins Teixeira

    Espetaculoso. Magnífica explanação. Muito elucidativo. Parabéns

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