Goiânia - Com pouco tempo no ar, a nova novela das nove da Rede Globo, Amor à Vida, já caiu no gosto do mundo on-line. Apesar de ter aglutinado média de 36 - não tão impressionantes - pontos no Ibobe, o grande feito da trama de Walcyr Carrasco é outro.
Seguindo a destemperada "Salve Jorge", Amor à Vida traz à televisão brasileira um tema que não é nada novo: a homossexualidade. No entanto, a maneira como os gays são abordados é que chama atenção. De um lado, a "bicha má" Félix (interpretada maestricamente por Mateus Solano) e, do outro, o casal homossexual fofinho Eron (Marcelo Anthony) e Niko (Thiago Fragoso).
Ambos núcleos mostram realidades jamais apresentadas. Primeiro, o casamento gay. Tema que não podia estar mais atual no Brasil (e no mundo). Eron e Niko - relevando as afetações forçadas e, muitas vezes, desnecessários do último - formam a tão contemporânea família moderna. Dois homens, que vivem juntos, usam alianças, compartilham suas histórias, bem como os problemas e alegrias da vida. E tem mais: querem e vão adotar uma criança. Esta que, inclusive vai gerar mais polêmica, pois será gerada pela amiga de Niko, Amarylis (Danielle Winits).
O segundo dispensa comentários. Confesso que quando li, pela primeira vez, a trama e o papel "Félix" não acreditei que Mateus Solano fosse dar conta do recado. Ora, dar vida a um gay enrustido, totalmente maléfico, sarcástico, mau, desonesto, sádico e tinhoso não é para qualquer um. Na verdade, à época, nenhum ator brasileiro me veio à cabeça para tanto. Acho que nem eu, que sou gay, conseguiria tal feito sem exagerar na medida.
E é neste ponto que Amor à Vida e o autor Walcyr Carrasco acertaram em cheio. Félix é tão divertido, nonsense e chocante que... Não choca! Isso mesmo. Por ser tão natural, leve e envolvente, a atuação de Mateus Solano, em vez de abismar (que era o esperado devido ao teor do tema), encanta. Félix tem as melhores sacadas, as piadas sem-graça mais divertidas e trejeitos mais naturais que o próprio Niko, a, como diriam as próprias bichas, "passiva amorosa que faz a linha apaixonada". Não me admira que Félix seja o grande destaque.
No Facebook e no Twitter, o personagem virou meme e é a mais nova febre da internet. Dezenas de páginas e perfis dedicados a ele listam as incontáveis pérolas do "gay que deu só uma espiadinha para fora do armário, mas que já trancou a porta de novo e jogou a chave fora". Félix já foi coroado a nova Carminha (personagem histórica de Adriana Esteves em Avenida Brasil).
Bingo de novo para o folhetim. Em pleno horário nobre, fala-se em "ai que uó", "sair do armário", "boy magia", "mona" e quantos mais vocábulos homossexuais. Pela primeira vez, o "ser gay" deixa de ser o enredo principal e passa a ser um mero figurante. Com certeza, as pessoas amam/odeiam Félix não porque ele é gay, mas porque ele é mau. Independente da opção sexual, o que deixa as pessoas com raiva (e tão envolvidas) é a desonestidade, as cachorradas e as maldades que o personagem faz. Não a opção sexual.
Claro que nem tudo é um "mar de rosas". O casal Niko e Eron divide a opinião dos telespectadores. Muita gente acha um absurdo que os dois tenham um filho e até as cenas de afeto entre eles incomodam. Mas isso também é válido. Incomodar é preciso. Só pelo burburinho e pelos embates que esta realidade gera, Amor à Vida ganha ainda mais reconhecimento.
O importante é que, por todo o Brasil, mães, pais, avós, avôs, evangélicos, católicos, negros, brancos, gays e héteros assistem, comentam e, consequentemente, ponderam sobre a nova realidade que está, muitas vezes, dentro de suas próprias casas. Mas que, infelizmente, eles ainda insistem em não acreditar.
Ah! Vale ressaltar que o autor afirmou que "está na hora de um beijo gay na televisão brasileira" e que, finalmente, desta vez vai mesmo ser exibido. Mas, quer saber? "Pelas contas do Rosário": o que é um beijo gay perto de todo o "bafão" que a "bicha má" Félix está causando?
*Alexandre Parrode é jornalista e colunista do jornal A Redação.