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Rogério Lucas

Como a economia inflaciona o impeachment de Dilma

| 02.09.15 - 08:52
Goiânia - Alemães gostam de leis; norte-americanos, de guerra; gregos, de democracia, brasileiros, de samba. Na hora das escolhas políticas todos se pautam pela economia.

Simplificações como estas, mesmo baseadas em traços culturais marcantes de cada povo e suas histórias, tendem aos erros de qualquer estereótipo e seus reducionismos irracionais. Exceto a tendência para a influência da economia nas escolhas políticas, que parece ser o mais próximo de uma verdade universal. Hobbes pensou o Estado-Leviatã baseado na necessidade humana por segurança individual, mas o embate que ainda desperta mais emoções e atrai votos – exceções em China e Cuba, por óbvio – é entre os torcedores de Karl Marx e Adam Smith. “Money makes the world go around”, ou numa versão mais consentânea com os tempos em que o capitalismo venceu, os impostos é que pagam para o mundo girar.
 
Digo isto a propósito dos que ainda enxergam com alguma estranheza a economia estar levando Dilma Rousseff cada dia mais perto de seu impeachment. Ou renúncia. A queda, de uma forma ou de outra, mais que já caiu, depois de ter ruído rapidamente de uma maioria com margem de cerca de 4 milhões de votos de frente para a desaprovação de mais de 90 por cento dos brasileiros, segundo as urnas e as pesquisas mais recentes.
 
“It´s the economy, stupid”, aconselhava James Carville a Bill Clinton desviar o debate cada vez que o mocinho George Bush encarapitado em jatos de bombardeios contra o Irã ameaçava se reeleger em cima da boa fama (para os americanos, claro) de xerife do mundo. Mesmo na iconografia guerreira cuja derrota no Vietnã só favorecia a estratégia da guerra cirúrgica – que matou uma montanha de civis no golfo pérsico, mas pouquíssimos combatentes americanos -, prevaleceram os argumentos econômicos e Clinton venceu o republicano que buscava a reeleição.
 
Sem querer mexer nos pruridos morais nacionais, basta dizer que não somos sensíveis como os ingleses, por exemplo, a escândalos de origem sexual. Para nós parece estranho ver como semanários sensacionalistas podem causar tanto rebuliço político como na Inglaterra puritana. Ou mesmo como um político que atingiu notoriedade máxima, como Silvio Berlusconi, na não tão puritana Itália, perdeu todo o prestígio por causa de festas envolvendo poderosos, bebida e mulheres lindas e pagas.
 
Na cultura japonesa é que até a suspeita é o bastante para envergonhar um político a ponto do haraquiri, ou o afastamento da vida pública. Aqui, pelo menos desde Adhemar de Barros, com a máxima “rouba, mas faz”, ou um seu sucessor que deu origem ao dicionarizado verbo “malufar”, malversação de recursos públicos nunca foi sinônimo de cassação da vontade das urnas. Nem, diga-se de passagem, no regime militar, que se propunha saneador, mas que de fato fez foi criar as bases da censura aos crimes de Estado, inclusive os pecuniários.
 
De tal forma que tirar proveito de um cargo de mando em benefício próprio nunca foi impeditivo da reeleição de ninguém, nem de perda de prestígio neste Brasil varonil. O que, em si, explica que Lula possa ter, primeiro, dito desconhecer, depois ter sido traído, e por fim dizer que o mensalão nunca existiu. Lula foi reeleito e fez quem bem achou que podia seu sucessor, apesar de todas as evidências – ôpa, suspeitas – de que José Dirceu e todos os outros presos no mensalão tinham um chefe.
 
Durante o processo do mensalão e até a pouco, no escândalo ainda inconcluso da Petrobrás, o PT se defendeu dizendo que não houve corrupção, em si, mas “apenas” caixa dois de campanha. O discurso era convincente, antes ou depois de abandonado pelas evidências de que José Dirceu também auferiu vantagens pessoais? Ou que dinheiro obtido ilegalmente no caixa da Petrobras foi parar, legalmente, no caixa do PT? Não. O que mudou, muito, foi o cenário econômico.
 
Lula surfou na “marolinha” enquanto um maremoto varria a economia mundial a partir da quebra do mercado imobiliário e financeiro nos EUA, com desdobramentos na Europa. Lula e sua sucessora saíram mundo afora ensinando como superar uma crise mundial com medidas paliativas baseadas em aumento de consumo por crédito facilitado às custas de dinheiro público. Bem, para encurtar esta história que já vai ficando longa, digamos o seguinte: EUA e Alemanha emergiram mais fortes da crise, por que agiram com parcimônia nos gastos públicos. O Brasil está pagando agora o preço – bastante alto – pelo que à época todos sabiam que não ia dar certo, mas deu ao governo mais uma eleição.
 
Last, but not least, uma pequena viagem no tempo, ao impeachment de Fernando Collor, nunca assaz comentado. Ele próprio está aí, vivo e bem próximo ao poder, para lembrar que foi inocentado a posteriori pelo STF. Não foram, portanto, as largas sobras de campanha nas mãos de PC Vacari – ôps, Farias – ou um mísero Fiat Elba que derrubaram Collor. Foi a economia, estúpido! E, vejam, menos o ousado confisco do dinheiro da poupança de milhares de brasileiros, mais o fato de que “a única bala” que tinha – para usar a expressão do então presidente no anúncio do Plano que ficou com seu nome – errou o alvo. O caçador de marajás mirou a inflação e só acertou o bolso do brasileiro. Caiu por isto. Lógico, embalado também por toda a arrogância que o impediu de buscar uma conciliação política no Congresso Nacional, onde, creiam, é preciso muita incompetência para formar uma maioria de 2/3 terços absolutos de contrários.
 
Não que faltem agora, como não faltaram em 1990, pressupostos criminais para derrubar um governo legitimamente eleito, com base legal e apoiado na Constituição, portanto longe de ser um golpe. Para os que defendiam o fora Collor, incluindo a esquerda brasileira e o PT de hoje, as ligações nunca suficientemente esclarecidas entre Collor e PC Farias eram o suficiente para derrubar o governo. Não havia a Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto as “pedaladas” constatadas pelo TCU sob patrocínio de Dilma não seriam, como são hoje, crime de responsabilidade. Nem a Operação Paraguai reunia indícios de desvio de dinheiro público direto para a campanha de Collor, até por que, vejam que coisa, Collor não era apoiado pelo governo quando se elegeu. Ao contrário também de hoje, em que já se constatou que empresas investigadas na Lava Jato, com dinheiro da Petrobras, financiaram a campanha de Dilma.
 
Apesar da lei, porém, é com o ambiente econômico se deteriorando a cada dia, e o governo Dilma demonstrando que não sabe o que fazer diante disto, que a convergência política até o impeachment vai se tornando natural.

*Rogério Lucas é jornalista.

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