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GABRIEL CHALITA

Mãe, o milagre do encontro

| 14.05.17 - 11:55
 
 
São Paulo - O encontro se deu entre o espermatozoide e o óvulo. E a vida foi encontrando sua forma. Pedaço por pedaço. Detalhe por detalhe. Coração transmutou-se em corações. Os dois ritmando a vida. Uma chegando, e a outra autorizando. E o cordão, enfim, cortou-se. Apenas o cordão. O resto permaneceu.
 
     Os corações jamais se distanciaram. E, nas pequenas quedas, no engatinhar, no caminhar, no chorar, o encontro aliviante. Nos cortes que doem, o poder cicatrizante dela. Da mãe. No seu colo, o recobrar de forças. Crianças ou adultos descansam ali. Choram ali. Realimentam ali os seus sonhos. Enquanto dormem o sonho bom, encontram o aconchego. E se valem do direito de estar ali. Tendo errado ou não. O amor de mãe suplanta erros e acertos. Não que não devam elas consertar o que se quebrou. Mas com jeito. Almas alquebradas precisam de algum cuidado. Elas têm.
 
      Nos inícios, os choros são mais previsíveis. Depois, há razões para o debulhar que, talvez, elas desconheçam. A vida é cheia de paisagens. E de becos. E de lamas. E de água para a limpeza. Os sofrimentos virão sempre. Quem os teme desperdiça um sagrado aprendizado. Os erros também são companheiros desde sempre. Tolos os que apontam os erros dos outros. Como se fossem imunes. 
 
     As mães sabem como soprar alívios. Primeiro, o abraço; depois, o dizer que educa. E as exigências de que melhoremos. Inverter a ordem nos enfraquece. Se o filho sobe na mesa e cai e se corta, primeiro elas cuidam do curativo, depois repreendem pelo abuso.
 
     As mães, um dia, partem. E o milagre do encontro? Prossegue. Partem na sua forma física. Levam pedaços de nossa história. Deixam tristeza. Mas o encontro que se deu, desde os inícios, permanece. No que somos, elas estão. Onde estamos, elas são. Dos traços físicos aos recônditos da memória. Da criação à personalidade que fomos moldando. Elas sempre estão. São.
 
      Já vi filho lamentar pelo amor economizado antes da partida da mãe. Já vi filho arrependido do dito e do não-dito. Das brigas que trouxeram dor. Das ausências que roubaram momentos preciosos. O que passou, passou. Talvez sirva de aprendizado aos que podem ter sua mãe por perto. Os que podem dizer. Os que podem ouvir.
 
      A mãe não é um ser perfeito. Perfeição não é matéria-prima dos humanos. Mas é nela que encontramos a raiz que nos ajuda a buscar o sulco vital. A memória do que viemos fazer por aqui. E o material onírico que nos faz prosseguir.
      
      Gordas ou magras, altas ou pequenas, falantes ou tímidas, com cabelos encaracolados ou lisos, com muito ou pouco estudo, com muitas posses ou necessitadas, mãe é mãe.
 
      Lembro-me do interior onde morava. Do chegar da escola. Subia as escadas e encontrava o seu sorriso. E o beijo sem pressa. E o abraço. E a atenção para ouvir tudo enquanto preparava o almoço. E, depois, ficávamos juntos. Lembro-me do dia que deixei o interior para estudar. Dos seus preparos, das suas lágrimas, da sua compreensão para os amanhãs que precisavam ser construídos.
 
      Construiu em mim, ela, o amor. Dores ela teve e tem. Mas foi além. Bebeu de uma fonte reservada especialmente para as mães. A fonte que renova sua força. Para continuar alimentando os seus rebentos. Perdeu minha mãe dois filhos. Muitas mães se partem nessa dor. E choram o mais doído choro do mundo. Lá se vão os que deveriam ficar.
 
       Uma amiga escritora perdeu seu único filho. Abraçou-me com tanta entrega que entreguei a ela o que podia, minha fé. As árvores parecem mortas no alto inverno. Parecem. Na primavera, elas ressurgem e surpreendem. Seria a morte a primavera da alma?

       Falemos um pouco mais da vida. E do encontro. Químico. Biológico. Histórico. Matemático. E os outros todos. Em todas as matérias do concreto do existir, o que carregamos tem ela, a mãe.
 
      Aos que têm sua mãe, por aqui, vale um encontro especial. Aos que as têm nas lembranças, vale uma oração, uma homenagem silenciosa na necessária conversa que fazemos conosco. Vale até um "eu te amo" em pensamento. Ela há de sorrir, onde estiver. E o poder que ela continua tendo há de fazer você também sorrir. Lembra que no início um coração se fez dois? Os dois continuam sabendo que podem se encontrar...



*Gabriel Chalita é escritor, doutor em Filosofia do Direito e em Comunicação e Semiótica.

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