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Cássia Fernandes
Cássia Fernandes

Cássia Fernandes é jornalista e escritora / lcassiaf@gmail.com

Alinhavos

Por que não se fala em política de natalidade no Brasil?

| 16.05.13 - 19:54
Por que em torno de certos temas paira uma espécie de silêncio respeitoso ou constrangedor? Por que certos assuntos não são incluídos na agenda pública, não se tornam objeto de programas governamentais amplamente divulgados, não são discutidos nos jornais por meio de matérias jornalísticas ou artigos, parecendo constituir uma espécie de tabu? Eis o que, acredito, ocorre com a questão da política de natalidade no Brasil. Vejam que nem sequer ouso falar em controle de natalidade, em aborto, mas em uma política a respeito do assunto.

Será que o impede a discussão é o peso que tem a religião no País, ainda tradicionalmente católico, a forma conservadora como a Igreja aborda ainda o uso de métodos contraceptivos? Não creio. Embora a Igreja Católica, de modo geral, mantenha tal discurso, defendendo que os casais católicos tenham tantos filhos quanto Deus mandar, na prática não é assim que se comporta a maioria, diante dos olhos bem abertos da própria instituição, usando pílulas e preservativos, sem qualquer temor religioso, de castigo eterno no inferno ardente. Sem contar que o Estado é laico, não sofrendo tão pesadamente a influência da religião na formulação de políticas públicas, e a participação de outras correntes religiosas mais liberais é a cada dia crescente.

Difícil entender por que se discutem atualmente com tal avidez temas tão delicados, como a redução da maioridade penal, e não se toca num ponto que, creio, é crucial, se não para a solução de muitos problemas que afetam o País, ao menos para evitar que um quadro de exclusão, de violência, de desrespeito ao direito das crianças se perpetue ainda por décadas. Estará a explicação em uma prática deliberada de grupos políticos e das tais classes dominantes para manter  altos os índices de natalidade, para se conservar no poder, praticando política assistencialista e distribuindo benefícios sociais? Também não acredito em um descaso intencional, em teorias conspiratórias.

Noto que alguns amigos e conhecidos, a boca pequena, comentam o fato de que as mulheres no Brasil, sobretudo as de classes sociais mais baixas, têm grande número de filhos, que o País ainda apresenta altas taxas de natalidade e de gravidez na adolescência. São muitos os que, como eu, em conversas privadas, manifestam a opinião de que tais fenômenos estão na raiz dos alarmantes índices de violência.  No entanto, quando se trata de expor publicamente tal posição, há um estranho e desanimador silêncio.

Eu mesma há muito tempo venho silenciando. Chegava a duvidar do sentido de meus questionamentos. Já que somente a mim incomoda o absurdo dessa situação, ela deve ser mesmo tão merecedora de atenção? Como mostram estudiosos da Teoria da Comunicação, com receio de se verem isolados socialmente, criticados, os que têm uma opinião discordante da majoritária, daquela que se manifesta nas ruas e sobretudo na mídia,  vão se  calando. Tem-se assim a impressão de que todos concordam e pensam de modo uniforme. A explicação talvez esteja, portanto, no receio de  ser policiado, de ser tachado de direitista, reacionário, de estar fazendo apologia ao desrespeito às liberdades individuais e às escolhas dos desfavorecidos.

Pois precisamos romper com essa espiral. Vejo que se tem discutido a redução da maioridade penal como se ela fosse a solução para o problema da violência no País. Acredito, porém, que se a  violência advém sim de uma enorme desigualdade social, suas causas também residem nos altos índices de natalidade, associados a uma educação pública completamente ineficiente, como instituição socializadora e como promotora de mobilidade social. O fato de colocarmos pessoas cada vez mais jovens nas cadeias não impedirá que novos crimes sejam cometidos, que novas crianças e adolescentes ingressem na criminalidade. Para cada menor que se depositar na cadeia, outras dezenas nascerão com seus caminhos miserável e violentamente traçados. A medida poderá ser eficiente com punição, não como prevenção.

Estamos colhendo os frutos de décadas de silêncio, de falta de políticas voltadas para a natalidade, para a maternidade e a paternidade responsáveis, para os direitos das crianças, de precariedade da educação pública. Não me apoio neste texto em qualquer pesquisa ou estudo científico, mas não seria difícil encontrá-los. Análises de pesquisas do IBGE facilmente mostrariam que, embora a população brasileira esteja envelhecendo, os índices de natalidade e de gravidez na adolescência ainda são altos.

O quadro salta, sangra e chora aos nossos olhos. Em grande parte dos lares brasileiros, a chefia da família cabe à mulher, que tenta sustentar sozinha os muitos filhos, tantas vezes contando apenas com os recursos dos programas assistenciais de governo. Grande parte dos pais as abandonou, assim como aos filhos, não raro estando o abandono associado ao uso de álcool e drogas. Cuidando sozinhas dos filhos, às vezes seis, dez, essas mães não têm onde deixá-los quando vão trabalhar, pois as vagas em creches são insuficientes, o número de escolas em tempo integral é reduzidíssimo.  Sem intervenção efetiva da escola pública, com sua péssima qualidade de ensino, o caminho para a violência encontra-se aberto, pois essas crianças nas ruas, sem atividades de lazer, sem esporte,  sem educação de qualidade, ficam vulneráveis à violência, às drogas e ao aliciamento para o tráfico.  

Nossos olhos estão turvos de abandono e sangue e, no entanto, o que governos municipais, estaduais e federal fazem? Conservam-se em silêncio. Com certeza, o governo federal desenvolve, em um dos seus ministérios, da Saúde, Educação ou da Assistência Social, algum programa direcionado para a educação sexual e o planejamento familiar, mas certamente não é um programa maciçamente implementado e divulgado. Era de se esperar que, com uma mulher na presidência, tivéssemos um governo mais preocupado com essas questões.

Na populosa Nova York, chegaram a fazer recentemente uma campanha tão agressiva contra a gravidez na adolescência, que chocou parte da população. Cartazes espalhados pela cidade apresentam imagens de crianças que dizem: "Honestamente, mamãe, papai não deve ficar com você. E o que vai acontecer comigo? Você está pronta para criar um filho sozinha?" Outros apresentam de modo igualmente enfático: "O risco de eu não completar o Ensino Médio é duas vezes maior porque nasci de uma mãe adolescente".

No Brasil, todavia, não há uma campanha sequer que estimule a maternidade e a paternidade responsáveis. Mesmo encarregados de desenvolver políticas para mulheres parecem ignorar displicentemente o tema. E isso se torna ainda mais estranho se observarmos que todos os países que alcançaram desenvolvimento social têm baixas taxas de natalidade. 

Deveríamos ter aqui um trabalho agressivo por parte dos nossos serviços de assistência social e dentro das escolas, principalmente junto às mulheres, para conscientizá-las quanto aos prejuízos de da maternidade na adolescência ou  do grande número de filhos. Mas não fazemos absolutamente nada. E enquanto isso mais crianças vão nascendo, expostas ao descuido e ao abandono desde pequenas, mais crianças são violentadas, arregimentadas para o tráfico, destinadas a matar e morrer precocemente nas ruas. 

Comentários

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  • 02.03.2022 01:21 Ana Cristina de Oliveira

    Concordo plenamente com o texto abrangente da Cassia Fernandes. Sempre que posso, toco neste assunto que retrata uma enorme e infeliz realidade do nosso país. O Brasil destaca as consequências de suas mazelas mas não se importa em trabalhar no sentido de combater as causas. Nosso país, infelizmente, gosta muito de "enxugar gelo" e de manter falsas aparências.

  • 09.04.2021 12:01 Altomar Andrade

    Bom, bonito e barato! Simples assim. Era tudo que eu queria falar. Parabéns!

  • 27.01.2020 21:43 Zaborato

    Não mudaria uma vírgula do que você escreveu, exatamente tudo que sempre pensei, só resta perplexidade por não entender o motivo de tanto silêncio, tanto tabu, mas deve ser o medo dos políticos à rejeição das classes baixas, que como a Janaína disse no comentário dela, o povão em sua maioria não está nem aí com as consequências de tantos filhos. Eu também tenho parentes na extrema pobreza, com 6 filhos pequenos e perguntei uma vez se já pararam, disseram que fazer filho é muito bom, tem que encher o mundo. Vejo da seguinte forma: a pessoa extremamente pobre e ignorante, de certa forma, se sente muito orgulhosa de "fazer um filho", ou seja, é o momento onde chamam um pouco a atenção, onde são momentaneamente "paparicados" pelos demais parentes e vizinhos, ou seja, a causa disso é pobreza de espírito no último e ainda ganha uma certa força com os discursos arcaicos da igreja.

  • 30.12.2019 14:15 JANAINA

    Concordo plenamente com tudo que está escrito nesta matéria, muito bem argumentada. É obvio que nunca existiu interesse dos governos em promover politicas de controle de natalidade, pois assim, como já foi dito, permanece o domínio sobre uma população pobre e desestruturada. Por outro lado, caso houvesse por milagre, alguma liderança política interessada em implementar tais programas de controle de natalidade, enfrentaria séria resistência principalmente da própria população pobre, porque seria necessário mudar a mentalidade dos pobres, e pode parecer preconceituoso dizer isto, mas é realidade. Quem convive de perto com pessoas assim, que se enchem de filhos, sabe o que estou dizendo. Essas pessoas simplesmente não estão nem aí com condições financeiras, engravidam mesmo sem condições, sem perspectivas, sem preocupação com o futuro, sem preocupação se vão poder sustentar os próprios filhos, se os filhos vão ter oportunidades no futuro. Elas simplesmente jogam essa responsabilidade para o Estado, esperando que vão receber bolsas e benefícios. Essas pessoas não pensam que elas também tem que suprir as necessidades dos seus filhos, de alimentação, saúde, estudo, etc. Enquanto pessoas de melhores condições sociais pensam quando vão ter filhos: ' será que vou conseguir sustentar, dar uma vida confortável, pagar plano de saúde, etc para meu filho?. Pessoas pobres não fazem esses questionamentos , simplesmente põem filhos no mundo a própria sorte, esperando que o governo dê tudo. Desculpem se minha opinião parece preconceituosa, mas observo isso na minha própria família, é bem assim mesmo, na grande maioria. Eu sou pobre,trabalho, tenho 43 anos e somente um filho. Sou vista até com estranheza pelos meus familiares. Sempre escuto comentários do tipo: Você tem filho único, seu filho vai ser mimado,infeliz, etc, etc. Resumindo, difícil seria mudar a mentalidade do próprio povo.

  • 14.05.2018 19:38 Douglas Pompeu

    Parabéns pelo texto, Cássia. Acredito que pelo momento que vivemos e para um bem da população, esse tema deveria ser debatido não só pelo governo e sim por meios de comunicações. Podendo incluir cotas econômicas para controlar natalidade, educação e etc... hoje a renda familiar bruta não permite muitos a ter mais de um filho, levando em consideração as necessidades da criança.

  • 07.07.2016 11:08 Livya

    Ótimo texto. Não entendo como um país que não consegue dar saúde, educação de qualidade a seus habitantes e muito menos emprego para todos, pode dar auxílios para quem tiver mais filhos (isso não acaba estimulando a natalidade?!). Acredito que o Brasil deve urgente lançar um plano para controle de natalidade, onde na verdade recebam auxílios quem tiver 1 ou 2 filhos no máximo, para que possa dar suporte educacional e de saúde para essas crianças.

  • 28.12.2015 08:43 Maira

    Concordo plenamente contigo a respeito de controle da natalidade. Fico pensando o que vai acontecer com tanto bebê nascendo a cada minuto? O que vai acontecer com o mundo? Com o meio ambiente onde vivemos? Haverá lugar para todos? O lixo irá parar aonde? E cadê a educação do Brasil? Que em família já não existe mais, então como os professores irão dar aulas com pessoas vindas de dentro de casa já mal educadas? Me indigno com tudo isso, mas um indivíduo apenas não tem força para nada neste país e o governo nem se preocupa com coisas que nem são de interesse deles, eles tem dinheiro, se ficar ruim no Brasil se mudam para outro país.

  • 20.10.2015 14:44 pompeu

    Mas quem disse que a única forma de controle de natalidade é aborto. Por que não cria-se leis mais duras para quem mantiver sexo com menores de 18 anos? Tipo 50 anos de cadeia, há não pode é desproporcional né e no Brasil a pena máxima é 30 anos com um bom advogado cadeia ZERO! O melhor é matar uma vida através do aborto, isto não é desproporcional né? Por que o governo não implementa o controle da mídia e proíbe o sexismo, cria censura para as músicas funk e sertanejo que fazem lobby do sexo livre sem compromisso com a vida, não pode fazer né, seria ditadura. Mas, fazer aborto a revelia toda vez que der umazinha não é homicídio né, e por isto vocês defendem tanto o aborto. Por que não acaba com o carnaval? Não pode né... bom, parece que a única solução é o aborto né... viva as novelas e a promiscuidade televisiva, viva o funk e o sertaneja pornográfico, viva o carnaval sexo, cerveja e barulho. E tome-lhe aborto certo, o eterno sonho dos comunistas de araque para solucionar problemas, matar? Que adianta o trabalho nas escolhas de conscientização se à sua volta o país é promiscuo e estes adolescentes são cercados de estímulos sexuais e influências sobre o tal sexo livre na TV, nas músicas e etc? Ab orto certo, esta é a grande solução né... entendo. Mundo cão.

  • 28.09.2015 19:36 Joana Paula

    Olá, quero parabeniza-la pela sua lucidez, o seu texto reflete a nossa realidade. Realmente é isso, não há politicas, neste país, voltadas para o controle de natalidade e planejamento familiar, quando ouço algo a respeito de ambos os temas, é tímido.

  • 13.09.2015 21:34 Daniele

    Tenho pensado intensamente a respeito deste assunto. Como educadora da rede pública, há tempos cheguei a esta conclusão, de que a atual situação da sociedade brasileira reflete a ausência de políticas de natalidade e planejamento familiar. Estudantes que rasgam livros novinhos, perdem materiais distribuídos pelo governo, e que sequer estudam para uma avaliação revelam que a raiz da educação vem de casa, e que se criados num ambiente inadequado em meio a drogas e violência, não há investimento em educação que modifique este cenário. Fiquei contente em encontrar este texto, e observar que muitas pessoas também pensam assim. E como muitos aqui, sinto-me constrangida em falar sobre este assunto a algumas pessoas.

  • 18.07.2015 02:04 Julio Miceli

    Parabens pelo texto, representa muito bem a situação atual. Mais ainda acho que seria necessário mesmo um "controle de natalidade" compulsório, pois quem não tem condições de sustentar a si próprio, não deveria ter direito à reprodução. Creio firmemente que a grande maioria dos problemas que enfrentamos hoje (criminalidade, sustentabilidade em perigo, esgotamento de recursos planetários, etc.) tem sua origem na superpopulação.

  • 17.07.2015 19:50 Marsel Hoffmann

    Em certas regiões do Brasil onde à maior dificuldade economica as criamnças acabam sofrendo pelo descuido dos adultos, muitas vezes ficando impossibilitada de competir de igual para igual no mercado e acabam por vir a ter um futuro de sofrimento.

  • 24.06.2015 17:11 Maria Souza

    Parabéns pelo seu texto . Concordo plenamente mas isso não deve interessar ao governo e politicos em geral.

  • 07.05.2015 13:17 André

    Esqueci de mencionar que isso é totalmente apoiado pelo governo, pois assim continuarão tendo muito mais burros que pessoas informadas, e assim continuara reinando a politica atual. Controle de natalidade vai ser a natureza, o desmoronamento que mata 50, a enchente que mata 100, etc. Mas mesmo assim, talvez não vença, pois as funkeiras não param. Pode ta no inferno, que vai botar filho a nascer.

  • 07.05.2015 13:13 André

    Estou perdendo as esperanças no BR. Basta voce acessar o facebook, rapidamente constatara, que com a pouca cultura, nenhuma educação e sem familia de verdade, só resulta em aumento das favelas. Porque digo isso? Cheio de moças novinhas, já com filho, e isso com 14 15 16 anos, quando chegarem aos 30 anos, já terão 8 ou 10. Ai a favela nunca para, vai ter vagabundo perambulando na rua, viciados, ladroes, traficantes, claro, porque uma vadia fez 10 filhos sem nenhuma estrutura e condição. Culpa de uma puta burra (funkeira) que só sabe fazer filho e educar nada.

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