Barcelona - Dois acontecimentos políticos recentes deixaram de cabelo em pé defensores dos princípios democráticos, na Europa. A forma como deixaram os governo da Grécia e da Itália seus respectivos primeiros-ministros, George Papandreou e Silvio Berlusconi, e a maneira como foram substituídos.
Houve falhas na gestão econômica da Grécia e, na Itália, Berlusconi fez estragos quase irreparáveis, que vão muito além das contas públicas. Os fatos são conhecidos e não estão sob questionamento, neste texto.
Mas daí a afastar dois políticos eleitos democraticamente e substituí-los por tecnocratas, com apoio dos respectivos parlamentos, pode resultar em precedentes perigosos para o sistema democrático.
A fórmula que parece nova, remonta a tempos antigos, como escreveu José María Ridao, em artigo publicado, no jornal espanhol El País, em 26 de novembro. Segundo o texto, na Roma clássica, o Senado podia nomear a um ditador para enfrentar dificuldades extraordinárias.
Mas o mecanismo possuía pontos fracos, como a natureza do poder, que tende a se perpetuar, além da necessidade de se definir o momento em que as dificuldades são superadas para cessar a ditadura.
Em teoria, o Senado era o responsável por determinar esse momento, mas na prática, o ditador dispunha de muitos recursos para fazer com as dificuldades se prolongassem e com elas, o mandato.
É preciso destacar que Lucas Papademus, na Grécia, e Mario Monti, na Italía, possuem credenciais democráticas. Papademus foi vice-presidente do Banco Central Europeu e Monti, ex-chefe de políticas de concorrência da Comissão Européia.
Mas a forma como foram levados ao poder pode fazer prevalecer a idéia de que se pode renunciar às regras democráticas em nome do pragmatismo, em situações de crise.
Especialistas ou tecnocratas respeitam as regras da ciência que aplicam, enquanto as decisões tomadas, no exercício da política democrática, devem respeitar os interesses coletivos, diferentes e legítimos.
Por exemplo, os custos altos da previdência e de serviços como educação e saúde podem desequilibrar as contas públicas, mas são direitos civis e cabe aos administradores públicos, ou seja, políticos, priorizar esses setores, em detrimento de outros, sem prejuízos de uma administração econômica eficiente e de acordo com os interesses sociais legítimos. Mas esse é o objetivo final da política democrática e não da ciência, que respeita a outras regras.
O perigo não é só que se imponha a fórmula adotada na Grécia e na Itália, mas que os governos democráticos se vejam obrigados a atuar como tecnocratas e se esqueçam que sua ação deve se inspirar no objetivo de arbitrar interesses sociais, diferentes e legítimos.
A política econômica imposta pela União Européia - leia-se Angela Merkel, primeira ministra da Alemanha, e Nicolas Sarkozy, presidente da França - aos países mais expostos à crise do euro, não foi capaz de solucionar o problema, até o momento, mas poderá arranhar de forma considerável as instituições democráticas de países, que compõem o bloco.