Na conjuntura do mundo cultural contemporâneo, a cultura se caracteriza por uma faceta multimidiática, com incontáveis meios de manifestação. Um dos veículos de sua propagação que mais atinge um público vasto e diversificado é, sem dúvida, o cinema. A arte cinematográfica se especializou em gêneros os mais diversos, dentre os quais a cinebiografia tem lugar de destaque. Em toda expressão cinebiográfica, o período histórico em que o indivíduo viveu aparece como algo inevitável a definir a individualidade do biografado.
Neste contexto, no ano de 2014 chegava aos cinemas a representação cinematográfica em torno da vida de um importante nome da cultura britânica e, por extensão, da vida cultural do Ocidente. Essa importante personagem teve sua vida retratada no filme “O jogo da imitação”, que apresentava ao grande público a vida de Alan Turing, um extraordinário matemático ocidental que teve participação decisiva nos destinos da Segunda Grande Guerra Mundial ao decifrar os códigos nazistas de comunicação emitidos pela máquina denominada Enigma.
Das descobertas matemáticas de Turing foi possível o desenvolvimento posterior em larga escala dos computadores e, consequentemente, da rede mundial que os interconecta, o que tornou possível a multiplicação informacional em uma escala jamais atingida anteriormente pela humanidade como corpo coletivo. Com o surgimento da Guerra Fria logo após o término armado do grande conflito que dividiu geopoliticamente o planeta na segunda metade do século passado, as potências se lançaram em uma corrida que é assim contextualizada pela pesquisadora Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque em sua obra Letramento informacional: pesquisa, reflexão e aprendizagem:
“Para dar conta da grande quantidade de informação, organizá-la e disponibilizá-la, bibliotecas, indústrias e demais unidades de informação começaram a implementar sistemas e aperfeiçoar técnicas que a tornassem acessível com maior rapidez possível. As novas tecnologias da informação e da comunicação transformaram o mundo em uma verdadeira ‘aldeia global’”.
Na esteira desse fenômeno bélico-cultural que foi a Segunda Guerra Mundial, emerge na década de setenta do século passado o conceito de letramento informacional, que vai construindo-se aos poucos sobre as bases do seu congênere, o letramento tradicional, a partir da percepção de que o mundo precisava mudar e que o acesso máximo à informação se constituía na chave dessa mudança, conforme elucida Kelley Gasque em sua obra. Quem primeiro formula o conceito, cunhando o termo information literacy, é o bibliotecário estadunidense Paul Zurkowski.
No Brasil, o campo de estudo que se constituirá desse contexto geopolítico chegará com quase três décadas de atraso, aportando por aqui a partir do ano 2000 sob a rubrica de “letramento informacional”, após migrar por variações semânticas ao longo dos anos entre sua origem norte-americana e o seu processo de tradução à lusofonia, ainda segundo Gasque. Acerca disso, informa a pesquisadora: “O termo foi mencionado, primeiramente, por Sônia Caregnato, que o traduziu como alfabetização informacional, optando posteriormente por habilidades informacionais como seu equivalente em língua portuguesa”.
Neste contexto, a obra de Kelley Gasque continuará informando que ao longo do tempo foram utilizadas diversas expressões com a finalidade de traduzir o termo norte-americano original, information literacy: “Na Espanha, por exemplo, usa-se frequentemente alfabetização informacional (Alfin), e em Portugal, literacia da informação. No Brasil, além do termo original, são utilizadas expressões como letramento informacional, alfabetização informacional, habilidade informacional e competência informacional para se referir, em geral, à mesma ideia ou grupo de ideias”.
O letramento informacional, em seu desenvolvimento no tempo e no espaço, vai aprimorando sua perspectiva conceitual e influenciando espaços como, por exemplo, o das bibliotecas, estabelecendo novos parâmetros de atuação para os profissionais que lidam diretamente com a informação em suas mais diversificadas plataformas de manifestação. Caracteriza-se ele como um continuum em relação ao letramento convencional, conforme ressalta Gasque em seu trabalho, abrangendo em sua essência a capacidade do indivíduo de “buscar e usar a informação eficazmente, por exemplo, identificando palavras sinônimas no dicionário, produzindo artigo para submissão em congressos, (...)”.
Nesta perspectiva, afirma a autora de Letramento informacional: pesquisa, reflexão e aprendizagem: “Pode-se afirmar que a essência do letramento informacional consiste, grosso modo, no engajamento do sujeito nesse processo de aprendizagem, a fim de desenvolver competências e habilidades necessárias para buscar e usar a informação de modo eficiente e eficaz”. Cumpre observar que o processo de aprendizagem a que ela se refere perpassa pelo letramento em todo o seu continuum, o que de constitui boa parte do corpus de seu trabalho.
Mais adiante, Kelley Cristine Gasque refina sua asserção, observando em que se constitui o processo de letramento informacional, numa abordagem bem próxima de uma definição: “O letramento informacional constitui-se, portanto, no processo de aprendizagem necessário ao desenvolvimento de competências e habilidades específicas para buscar e usar a informação”.
No artigo “O movimento da competência informacional: uma perspectiva para o letramento informacional”, publicado na revista acadêmica “Ciência da Informação”, a pesquisadora Bernadete Campelo traz informações semelhantes às de Kelley Gasque, enfatizando em sua abordagem a importância do bibliotecário na consolidação do conceito de letramento informacional, apresentando dados de como esse profissional pode e deve colocar-se diante dessa realidade instigante e desafiadora na chamada sociedade da informação, contribuindo para verticalizar a abordagem em torno do letramento e seu continuum que se origina em sua vertente tradicional das primeiras aquisições que o cidadão faz e que é mediada pelo processo educacional em sua globalidade.
De todo o contexto, pois, que dá forma a esse ainda recente campo do saber, numa perspectiva macro-histórica, infere-se não somente o alcance da genialidade de Alan Turing, mas também o quão importante a educação e os investimentos a ela relacionados são fundamentais para que o Brasil não perca o bonde da cidadania num mundo cada vez mais sem fronteiras.
*Myriam Martins Lima é bacharel em Biblioteconomia pela UFG e mestranda em Comunicação pela Faculdade de Informação e Comunicação da UFG.
*Gismair Martins Teixeira é Doutor em Letras e Linguística pela UFG-GO; com Pós-Doutorado em Ciências da Religião pela PUC-GO; professor e pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da Seduc-GO.