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Sobre o Colunista
José Abrão
José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br
Benedict Cumberbatch em 'A Incrível História de Henry Sugar' (Foto: divulgação)Em meio à programação de Dia das Bruxas que permeou outubro, muitos podem ter perdido a série de curtas baseados nas obras do britânico Roald Dahl que o cineasta Wes Anderson deu vida na Netflix. Estrearam no início de outubro quatro curtas do diretor de O Grande Hotel Budapeste, A Crônica Francesa e tantos outros, abordando a obra do autor de A Fantástica Fábrica de Chocolate, Matilda e Convenção das Bruxas.
Dahl, um autor clássico e que fez parte da infância de muita gente, hoje é considerado, no mínimo, controverso. Entre suas muitas polêmicas, ele era um antissemita e racista declarado. Atualmente, ele passa por um processo de reapropriação não muito distante do que tem acontecido com o nosso Monteiro Lobato: também um medalhão, também polêmico e eugenista declarado que, por um lado, criou o Sítio do Pica-pau Amarelo e, por outro, escreveu O Urupês e O Presidente Negro.
Anderson empresta seus tons pastéis e confere um ar sombrio a quatro contos do autor: A Incrível História de Henry Sugar, de 39 minutos; Veneno; O Caçador de Ratos e O Cisne, todos com 17 minutos. O diretor também usa mais ou menos o mesmo elenco nos quatro, com destaques para Benedict Cumberbatch, Ralph Fiennes, Ben Kingsley e Dev Patel. As tramas são contos de fadas modernos, abordando temas como bullying, ganância, crueldade e muito mais, de forma mais ou menos lúdica. Digamos que está mais para Irmãos Grimm do que Perrault.
Ao mesmo tempo em que dá seus toques, Anderson também expõe o autor para que a audiência faça seu próprio julgamento ao intensificar sua nova abordagem metalinguística, já presente no seu último longa, Asteroid City. Nele, a trama do filme, na verdade, se trata de uma peça que se desenrola em um teatro e o público acompanha atores, cenários, roteiristas e diretores tentando fazer a história se encaixar.
Nestes curtas da Netflix, Anderson é mais extremo: todos os cenários são claramente cenários de madeira e papelão constantemente sendo trocados e movidos como se estivessem no palco de um teatro. Objetos de cena são entregues em mãos por assistentes de palco aos atores e, talvez a jogada mais meta, é que o roteiro é praticamente o texto ipsis litteris dos contos de Dahl, com os personagens olhando diretamente para a câmera enquanto descrevem cenas e personagens e narram em detalhe suas ações.
O resultado vai depender de quem assiste: por um lado, pode-se concluir que esta é uma nova fase ou etapa na linguagem de Wes Anderson como cineasta e a obra de Dahl como problemática, mas ainda clássica, resistindo à prova do tempo apesar de seu autor. Por outro, é possível considerar que Anderson se perdeu no personagem, se tornando quase uma paródia de si mesmo ao começar a explorar de forma tão peculiar seu próprio estilo e ver a obra de Dahl como anacrônica e ultrapassada.
De toda forma, mais do que em suas produções anteriores, Anderson coloca essa decisão na mão da audiência. Esta abordagem despojada de floreios tenta expor a nudez de ambas as obras: a audiovisual e a literária e cabe a nós julgá-las por seus méritos puramente artísticos. De fato, são efetivamente quatro contos infantis, mas se essas histórias podem ser mostradas, com todos seus dentes e arestas, para uma audiência infantil contemporânea, caberá aos pais decidir.