Carolina Pessoni
Goiânia - Em meio a jornais do dia, revistas da semana, gibis e palavras cruzadas, a tradicional banca de jornal se reinventa. Cadarços, cigarros, CDs e até camisetas dividem espaço com as publicações impressas, em um reflexo da necessidade de se adaptar à era digital. As bancas que por décadas foram pontos de encontro para uma boa conversa, agora lutam para se manter relevantes em um mundo cada vez mais conectado.
Odgmar Nunes é proprietário de uma das últimas bancas da região central de Goiânia que resistem. O comércio fica na Rua 4. "Essa banca aqui tem mais de 50 anos e é uma das únicas do Centro. As outras fecharam ou viraram outras coisas", diz, com um misto de orgulho e lamento.
Ele conta que começou a trabalhar no Centro nos anos de 1980 e que desde jovem está em meio a jornais e bancas. "Quando era menino, ajudava minha mãe na banca que ela tinha em Campinas, perto da Igreja Matriz. Aos domingos eu ia no centro de distribuição do jornal com minha bicicleta cargueira, colocava quantos exemplares eu conseguia carregar - eram mais ou menos 70 jornais - e ficava perto da igreja, esperando a missa acabar. Até 9h30 eu já tinha vendido tudo", lembra.
Odgmar diz que revistas vendidas no Centro ainda têm público fiel (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Odgmar afirma que essa era uma "fase de ouro" das bancas e dos jornais e revistas. "Não tinha internet, né? Era o meio que as pessoas tinham para se informar sobre tudo, desde a política até futebol. Hoje em dia é tudo mais fácil, é só olhar o celular."
Para manter o negócio ativo, ele diz que é preciso se reinventar todos os dias. Por isso, passou a agregar novos produtos para atrair o público, como cartão de transporte público, camisetas temáticas, cigarros, cabos e carregadores de celular, cadarços e até mesmo CDs e fitas K7.
"É até engraçado, mas um dos produtos mais procurados na minha banca hoje é o CD, pelos colecionadores. A pessoa é fã de 'tal artista' e aí sai caçando tudo o que encontra sobre ele", conta, aos risos.
Apesar da digitalização do mundo e, claro, das notícias, Odgmar diz que ainda há público para o impresso. "Tenho muitos clientes de jornal e de revista. Quem compra jornal geralmente é pessoa mais de idade, que não abre mão do papel, mas revista eu ainda vendo as semanais. De fofoca ninguém compra mais, mas as de moda ainda vendem bem", revela ai citar também a grande procura por caça-palavras.
Livros de caça-palavras estão entre os produtos mais procurados (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Para ele, um pouco da queda do movimento se deve à descontinuação de alguns títulos de revistas pelas próprias editoras. "Tinha clientes que até pouco tempo ainda procuravam a Placar, por exemplo, mas a editora parou de fazer. É uma pena, porque tinha público para consumir esses produtos", lamenta.
Atualmente, os itens mais vendidos por ele são os quadrinhos de heróis, gibis da Turma da Mônica e as revistas de palavras cruzadas. "Posso dizer que essas revistinhas de jogos são meu carro-chefe hoje. Muita gente procura para manter a cabeça ativa, ainda mais com essa coisa de Alzheimer, porque dizem que ajuda a prevenir."
Odgmar, que tira o sustento do trabalho com as bancas há mais de 40 anos, lamenta que esse tipo de negócio esteja acabando. "Meu ganha-pão sempre veio do Centro, cheguei a trocar fraldas da minha filha mais velha dentro desse espacinho. Eu sou um dos últimos que ainda mantêm uma banca assim, acho que só tem umas cinco ou seis aqui na região ainda", diz, contando nos dedos das mãos.
Mesmo com a queda do movimento na região, ele afirma que ainda resiste, se adaptando todos os dias para manter o negócio. "Entrar numa banca de revista é voltar ao passado. Minha vida é isso aqui."
A mesma realidade é vivida por Sônia Mendes, que hoje é proprietária da banca mais antiga de Goiânia, localizada na Avenida Goiás, em frente ao Grande Hotel. Com o mesmo nome do prédio histórico, a fachada do estabelecimento exibe um selo grandioso com a data da inauguração do negócio: "Desde 1937".
Ela diz que, pela história que conhece, é a terceira proprietária da banca, que só passou a ter eletricidade em 1975. O primeiro dono teria ganhado o local de presente do próprio Pedro Ludovico, idealizador de Goiânia.
"Eu trabalhava aqui com o antigo proprietário, até que ele não quis mais e me cedeu o uso. Então, já estou aqui há mais ou menos 25 anos, acompanhando muitas mudanças da região, principalmente nos últimos tempos", conta.
Jornais e revistas dividem espaço das bancas com produtos diversos (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Para Sônia, trabalhar com banca de jornal e revista no Centro "é desafiador". "A gente tem que pular de todo jeito, se adaptar para continuar atraindo os clientes, porque só as vendas de jornal e revista não são suficientes para pagar as contas", explica.
Por isso, ela justifica a transformação na banca, que hoje, além dos periódicos, vende camisetas com temas indianos, roupas bordadas, bonés, cadarços, mochilas, incensos e ainda faz cópias de chave. "Tem que ser assim, senão a gente não consegue se manter."
Mas se o mundo tem se digitalizado, a tradição ainda tem espaço no coração de muita gente. "Essa banca, por ser muito antiga, mantém clientes fiéis. Tenho clientes que saem de Aparecida de Goiânia, Senador Canedo, Trindade, para vir comprar aqui comigo. Tem gente que vinha aqui criança e hoje já é idoso", conta, em meio a risadas.
Entre os itens mais vendidos, Sônia diz que estão as apostilas para concursos e os famosos "coquetéis". "A palavra-cruzada é o que eu mais vendo. Quadrinhos e gibis também têm público, mas desse segmento os mangás são os mais procurados. Tenho muitos clientes para eles."
Sônia diz que uma das chaves para manter a tradição é gostar do que faz. "Leio tudo o que chega na banca, estou sempre bem-informada" (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Ao se lembrar de quanto tempo trabalha na região, a proprietária da banca se emociona. "É uma vida de trabalho nessa banca. Boa parte do meu sustento sempre veio daqui. O dinheiro que ganhei aqui ajudou a formar minha filha em Direito", comemora.
Sônia credita a longevidade do negócio também à sua dedicação. "Eu gosto do que faço. Sei indicar para meu cliente de acordo com o que ele procura. Por um lado isso é ruim, porque fico informada demais, aí pode até dar problema", brinca.
Para ela, o Centro de Goiânia faz parte de sua vida. "Eu praticamente moro aqui. Chego cedinho, almoço e vou pra casa só depois das 18 horas. Eu só não janto e durmo aqui, mas acho que passo mais tempo na banca do que em casa. Amo o que faço e peguei amor por esse lugar."