Este texto deveria ser só a imagem acima, mas como isso não seria um texto, só uma imagem, aqui vai um texto. Entre o imperativo da utilidade e a obsessão com o futuro, a vida parece perder o sentido. A escravidão da produtividade cansa. Já não é possível vagabundear sem angústia ou culpa. É preciso dar resultado, pois há um futuro a ser construído, um lugar melhor, uma vida melhor, um mundo melhor. Pra isso, é preciso trabalhar mais, ganhar mais, pra ter coisas que ainda não temos e pra dar às crianças tudo aquilo que não lhes pode faltar pra serem melhores - a aula de caratê, o curso de inglês, o computador. É preciso ganhar dinheiro pra poder comprar mais tempo e poder enfim desfrutar, mas desfrutar é inútil. e dá culpa. Melhor trabalhar. É preciso ler, mas ler as coisas certas, realmente úteis. Tem tanto pra ler, mas eu não tenho tempo pra ler. Depois, eu leio. Primeiro, vou planejar o futuro. Quero viajar, conhecer Cartagena. Eu deveria ir ao Rio. Tem tempo que não vou ao Rio. Mas o Rio é bom mesmo pra ficar à toa, só olhando. Subir os morros, olhar as vistas, tomar chopp, Maracanã, Flamengo. Mas é complicado ficar tanto à toa. Por isso, o Rio é tão esculhambado. Ler as notícias, ficar informado, saber da política, do mercado. Tudo isso afeta o futuro. Preciso comer melhor, ir ao cardiologista, reservar tempo pra ir à academia. Sem saúde, não há futuro, mas cuidar da saúde parece tornar o presente mais insosso. Meditar ajuda, mas dizem que, pra meditar de verdade, a meditação tem que ser inútil, e eu só quero meditar pra ver se paro de pensar um pouco. Mas a meditação é o agora, parece, focar no instante, estar presente. A meditação, mindfulness se diz hoje em dia, tem um paradoxo igual ao do Gato de Schrodinger. Sabe? O gato hipotético do experimento mental de mecânica quântica que evidencia a maluquice que é a realidade subatômica, onde o estado de uma partícula depende da observação. Até que um átomo seja observado, ele pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ou em dois estados conflitantes ao mesmo tempo, e o gato, coitado, preso na caixa e vivo e morto ao mesmo tempo. A meditação é isso: se você medita pra mudar algo em você, você não está meditando, mas se você não quer mudar algo em você, pra que meditar? Tive um pesadelo em que eu era o Gato de Schrodinger. Pare de arrastar correntes, o papa falou que devemos ter bom humor, mas é difícil ter bom humor porque a vida útil precisa ser séria. Amanhã, sem falta, vou arrumar essa bagunça da minha mesa. Comer menos besteira também. Melhor dar um tempo de bebida também. Vou fazer um check list de tudo o que preciso mudar e, se completar tudo, vai dar tudo certo. Mas, se eu não completar o check list, que geralmente é o que acontece, tenho mais um problema e fico mais chateado. Complicado tudo. Já notaram como tem muita arara agora em Goiânia? Antigamente, não tinha. Sinal de coisas ruins? Deve ser. Mudança climática, desmatamento, etc. A gente não se emenda mesmo. Mas eu também não paro de comer carne, ainda mais porque li que dieta low carb que é boa. Vaca é que desmata, precisa de pasto. Vaca nada. A vaca é uma coitada. Quem desmata é o homem - homem não, ser humano, porque não pode falar “homem” se referindo à espécie, é machismo. Quem desmata são homens e mulheres, ou melhor, mulheres e homens. Mas capaz que melhor não, vão até se ofender, porque quem desmata é o homem hétero branco cis, tipo eu. Você não vê mulher desmatando. Melhor falar “homem” mesmo nesse caso. Mea culpa, mea maxima culpa. Coitadas das vacas, abatidas com crueldade. Felipe parou de comer carne quando viu vídeo de frigorífico. Sensato ele. Mas dizem que não comer carne é ruim também. Faltam proteínas, vitaminas, sei lá. Difícil. E ainda tem a soja, que é quem destrói o Cerrado e a Amazônia, e só serve pra alimentar vaca e porco lá fora. Mas dizem que, se a gente não plantasse essas coisas, o mundo passaria fome. Mas mesmo assim ainda passa, tipo um bilhão de pessoas passam. Sou rico (“classe média-alta”) e não sei explicar pras crianças por que tem gente que passa fome, por que tem pobre na rua. Sou culpado por ter pobre na rua? Eu acho que sim, mas às vezes acho que não e que tenho direito a tomar meu Negroni em paz e viajar pra Bahia ou pra Cartagena. Tem muita série que eu precisava ver também, filmes clássicos que não vi e tenho vergonha de não ter visto (81/2, por exemplo, que toda vez eu durmo), livros fundamentais (não me matem, já tentei Crime e Castigo várias vezes e não terminei - mas li Guerra e Paz, o que já é bom), mas tudo isso de novo cai naquela coisa do útil. Essa Adolescência eu vi. Todo o mundo viu. Primeiro, achei que sabia o que falar sobre ela, agora, já não sei mais. Preciso sair das redes sociais. Muito inútil e faz mal pra cabeça, dá ansiedade Eu devia ficar calado. Problema do mundo é excesso de fala e déficit de escuta. Mas a única coisa que meio que sei fazer é escrever, que é um jeito de falar. Talvez eu devesse fazer só textos sobre escutar, o que é também outro Gato de Schrodinger ou um elefante na sala, não sei, porque um texto sobre escutar deveria ser um não-texto ou talvez apenas a imagem de uma orelha, porque, se você escreve, já não tá escutando, tá falando, então não pode cobrar de ninguém ouvir. Tem uma figurinha que eu gosto muito que é do pai pinguim e do filhote pinguim, e o pai pinguim passando a mão na cabeça do filhote e dizendo: “Cala a boquinha pra Jesus te amar”. Você já viu? Se não tem, me pede que eu te mando porque é bem útil. Eu carrego isso como um mantra. Acordo, me olho no espelho cansado e me digo: Cala a boquinha pra Jesus te amar. Mas é complicado isso também porque Jesus é mais conhecido por ser um falador. Amamos ele pelo que ele disse, não pelo que escutou. Enfim, hoje é segunda e dá um certo mau humor, mas quinta é feriado e aí a gente pode ficar culpado por descansar.