"Todas as cartas de amor são ridículas
Não seriam cartas de amor
Se não fossem ridículas" (Fernando Pessoa)
Essa carta de amor é para papai, que há três anos não está mais entre nós. Papai começou a definhar fatalmente, logo após completar 78 anos, em junho de 2022. Não demorou para dar seus últimos suspiros, exato um mês, após apagar as velinhas de seu bolo de aniversário.
"Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre" (Ariano Suassuna)
Fez sua passagem deitado em paz, em sua própria cama, desfrutando da temperatura ambiente de seu quarto, ao lado de suas filhas e netos, do jeito que ele queria.
Antes, fez sua última oração, embora fosse um ateu (ou um à toa, como ele mesmo dizia), arrependeu-se de seus erros e me pediu desculpas por não ter sido um bom pai.
Eu o perdoei e acredito que seu arrependimento foi verdadeiro. Todos tentamos ser bons, mas alguns nascem mais corrompidos que outros, principalmente os geminianos.
Me chateei pela separação litigiosa que, segundo ele, foi mais pelo lado de minha mãe que pelo dele. "Bullshit", como diriam os americanos (em gíria chula), na posição de macho heteronormativo cis, sabemos que a decisão final sempre está nas mãos do provedor alfa. Mas isso são águas passadas...
Não posso negar que também me decepcionei um tanto ao vê-lo enamorar-se por uma mulher da minha idade. Isso é constrangedor para qualquer filha adulta.
Contudo, conquanto, todavia ele me ensinou que precisamos ser maus quando aparecem pessoas más em nossa vida e, deveríamos ser generosos quando desejarmos que outros tenham piedade de nós.
Revejo seus atos e sua trajetória e continuo tendo orgulho em carregar seu sobrenome, seja pelos seus projetos inovadores na zona rural, seja pela sua integridade como fiscal emérito no Ministério da Agricultura, seja pela presença de um amigo e conselheiro, seja pelo treino dialético constante com um sofista e/ou socrático de respeito.
Um homem do agro, um 'argo', um místico, um mito. Um gentleman com todos os seus defeitos ridículos, mas um pai que definitivamente foi muito amado.
Feliz Dia dos Pais