Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 12º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Agronegócio

Tesouro regional: cerveja de mandioca fomenta agricultura familiar em Goiás

Projeto está presente em 28 municípios goianos | 21.09.21 - 17:04 Tesouro regional: cerveja de mandioca fomenta agricultura familiar em Goiás (Foto: divulgação)
José Abrão
 
Goiânia – O cenário de produção em alta e retorno praticamente garantido no agronegócio deu espaço a dias de incertezas durante a pandemia da covid-19. A realidade de quem vive do campo foi e continua sendo a mesma de trabalhadores de outros setores da economia:  recheada de obstáculos. Dificuldade para produzir e vender, aumento expressivo dos custos e instabilidade econômica são apenas alguns dos pontos que impactaram os agricultores, principalmente aqueles de pequenas propriedades. No Nordeste goiano, uma alternativa para driblar a crise nasceu de um cultivo ancestral e enraizado na cultura brasileira: a mandioca. 

Inspirado pelo que tem de melhor na agricultura familiar, que é a produção com cuidado, o projeto Cerveja de Mandioca nasceu no ano passado com base no esforço coletivo e com foco na construção de uma cadeia de produção feita a várias mãos. Os pequenos produtores são, neste caso, os pilares e grande responsáveis pelo cultivo da matéria prima de qualidade. 



(Foto: Secom Goiás)

Começou pequeno, mas o projeto ganhou força. O que parecia ser uma ideia simples acabou se tornando o sustento de muitas famílias. O início foi no Nordeste goiano, na região da Chapada dos Veadeiros, mas o sucesso do programa fez com que ele fosse expandido para todo o Estado. Até agora, 800 famílias já ingressaram no programa em 28 municípios. São produtores rurais pequenos que têm suas produções adquiridas por duas cervejarias no Estado: a multinacional Ambev e a artesanal Colombina, que produzem, respectivamente, a cerveja Esmera de Goiás e a linha Rensga.

São muitos envolvidos na iniciativa. Cada um com sua responsabilidade. É uma cadeia, de fato, coletiva e produtiva, que reúne, além dos representantes da agricultura familiar, a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Secretaria da Retomada e Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), além do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), vinculado à Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg).
 
A capacitação dos produtores tem sido desenvolvida por técnicos do Senar, que prestam assistência técnica e gerencial. “A propriedade deles é uma empresa. A gente auxilia mostrando para eles vários indicadores, como despesas, margem de lucro, depreciações, toda essa parte”, explica a técnica Paula Regina de Oliveira, que atua na região de Ipameri. “E essa é uma assistência que prestamos sem custo nenhum. Nós conseguimos ver nos olhos deles esse sonho de crescer se realizando. A pandemia foi muito dura com eles, muitos ficaram desempregados”, completa. 
 
Paula Regina começou atendendo 23 produtores por mês e agora é responsável por auxiliar 30, que é o número máximo estabelecido pelo projeto. “Com esse programa da cerveja, auxiliamos eles nessa possibilidade de produção, especialmente de uma variedade da mandioca que produz bastante ramas, própria para a indústria. É uma variedade mais produtiva”, conta. “Auxiliamos no plantio, no manejo. Às vezes o produtor mais antigo acha que como é uma planta mais rústica é só colocar no campo e pronto, mas não, tem todo um manejo também. Precisa de uma adubação adequada, de um cuidado adequado”, explica. 
 
Segundo a técnica do Senar Goiás, o projeto da cerveja de mandioca renovou o interesse por parte dos produtores na planta. “Já tivemos um desses treinamentos aqui em Ipameri e vários produtores que não fazem parte dos programas do Senar participaram com intenção de plantar em maior quantidade, assim como vários outros que nem plantavam mandioca, mas que agora estão interessados”, relata.
 
Paula salienta que a assistência técnica oferecida tem feito a diferença na qualidade e quantidade de matéria prima produzida. “O trabalho desenvolvido pelo Senar é muito importante. Outros produtores já vieram me procurar para tentar ingressar no programa, querendo receber assistência, vendo a importância de ter uma pessoa prestando este auxílio e essa capacitação no manejo. É muito gratificante ver o produtor buscando melhorias, tentando crescer”.




Produtores da região de Cavalcante (Foto: Divulgação/Secom-Goiás)
 
Um dos produtores atendidos é Luiz Afonso Arantes. Com um terreno de poucos hectares, Arantes costumava arrendar para o plantio de soja até pouco tempo atrás, mas viu vantagem em trocar a soja pela mandioca. “Eu tenho uma pequena propriedade rural e fico buscando alternativas de renda em várias frentes. Essa mandioca eu plantei com outro objetivo porque ainda não tinha conhecimento do programa, ia montar uma mini indústria de farinha. No meio do caminho, apareceu esse programa e achei bastante viável. Acabei fazendo negócio com a empresa, foi uma alternativa bastante vantajosa”, afirma.
 
Arantes enumera os pontos positivos no cultivo. “Houve um retorno financeiro muito bom, acho que só perde um pouco para a soja pelo tempo que a mandioca tem que ficar no solo, mas requer praticamente zero tecnologia. Plantamos uma variedade [de mandioca] resistente. Requer pouca mão de obra e o custo de produção, que é o valor do investimento, é muito baixo. Por essas razões, é bastante interessante”, pontua ao destacar que quer continuar integrando o projeto. 
 
Rensga
Embora o maior volume do que tem sido produzido pelos agricultores seja consumido pela Ambev, que desenvolveu a cerveja Esmera de Goiás, também tem espaço para as cervejas artesanais no projeto.
 
A cervejaria Colombina aderiu ao programa criando a Rensga, uma linha de produtos artesanais produzidos com a mandioca de pequenos produtores. A cervejaria comprou, só em 2021, duas toneladas de mandioca da Associação dos Agricultores Familiares de Bela Vista de Goiás (Afabev) e da Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores de Polvilho e Derivados da Mandioca da Região do Cará (Cooperabs). Juntas, as cooperativas escoam a produção de 50 famílias.
 
Segundo Alberto Nascimento, sommelier de cervejas da Colombina, o retorno da linha Rensga tem sido muito positivo e a cervejaria vai ampliar, em breve, a linha de produtos dentro do projeto. “Estamos gostando muito dessa parceria. O programa é muito legal e é a cara do que buscamos como empresa e como marca. Visamos sempre valorizar os produtos regionais, sempre usamos frutos do Cerrado na nossa cerveja”, conta.
 
Além disso, confome pontua, diminui o custo de produção das bebidas. “É muito interessante para nós poder usar outros insumos da cerveja que sejam produzidos localmente. Isso faz com que tenhamos uma dependência menor de produtos importados e nos permite fomentar a cadeia produtiva regional”, aponta. “Esse é um projeto que, dentro da nossa empresa, só tende a crescer: não só a linha de produtos em si, mas com representatividade de vendas”.
 


(Foto: Divulgação)

 
Retomada 
Os frutos colhidos hoje e que hoje garantem o sustento de muitos goianos foram plantados em um momento muito mais complicado: no auge da pandemia. A ideia começou a ser fomentada há mais de um ano pela Secretaria de Retomada e pela Seapa em busca de alternativas para amenizar o baque econômico da crise causada pela covid-19 no campo.

“Nós acreditamos que a política pública é pautada por assistência técnica, crédito rural e acesso ao mercado. E às vezes esse acesso é o maior gargalo para o produtor de pequena propriedade. Foi pensada uma política pública que beneficiasse qualquer cervejaria que colocasse mais de 16% da sua composição de amido de mandioca e que comprasse essa mandioca exclusivamente da agricultura familiar”, explica Donalvam Maia, superintendente de Produção Rural Sustentável da Seapa, ao destacar como surgiu a ideia do projeto. 
 
Maia ressalta que os agricultores negociam diretamente com as cervejarias e que podem se unir, comercializando em maior volume para garantir renda e autonomia. 

Titular da Secretaria da Retomada, César Moura explica que são várias etapas inseridas no projeto, sempre com foco no auxílio à agricultura familiar. "Primeiro, gerando renda, depois com a estruturação de uma cadeia produtiva, com o aumento geral da movimentação do produto no Estado”, explica. “Nosso foco é no mais vulnerável, que foi mais afetado pela pandemia”, completa o secretário ao destacar que os números alcançados neste primeiro ano já superaram as expectativas. 
 
Com este sucesso inicial, a Secretaria agora tenta ampliar o projeto em outros municípios através da Caravana da Retomada. “Está indo uma equipe específica para fomentar o projeto da cerveja de mandioca. A gente chega no município, vai na agricultura familiar, verifica se os produtores têm condição de fazer o plantio, se precisam de apoio”, apresenta o secretário. 
 
O objetivo principal agora, segundo Moura, é estabelecer uma cadeia produtiva em todo o Estado para atender uma demanda de 9 mil toneladas de produção. “Estamos fomentando mais produtores pra isso. A empresa só pode comprar do pequeno produtor. Isso evita a especulação por parte de grandes produtores e leva a renda pra quem mais precisa”, reforça. 
 
Expansão 
O secretário também afirma que o projeto em andamento abriu portas para pensar o mesmo formato para outros cultivos que podem ser fomentados como a mandioca. "Estamos fazendo um trabalho forte nos assentamentos, nas cooperativas. Estamos dando cursos de gastronomia: bolos, doces, farinha. A cerveja de mandioca nos deu um impulso através desse cultivo”.



(Foto: divulgação)
 
Segundo levantamento da Seapa, Goiás tem 440 assentamentos ou acampamentos de pequenos produtores rurais, sem contar as comunidades quilombolas rurais, como o quilombo Kalunga, na Chapada dos Veadeiros. Donalvam relata que a Sepa, o Senar, a Emater e a Retomada têm visitado pessoalmente estas comunidades para apresentar o projeto.
 
Ele destaca os povos Kalunga de Cavalcante, de onde saiu uma das primeiras – e uma das maiores – cargas de mandioca desde o início do projeto. O movimento cooperativo também tem ajudado muito, segundo o superintendente.
 
A mandioca não foi escolhida ao acaso. O estudo Radiografia do Agro Goiano, promovido pela Seapa, revelou o potencial produtivo da raiz e dos municípios que a produzem. “Precisávamos de um cultivo que fosse fácil e viável em todos os municípios. Assim chegamos à mandioca. Neste período, colhemos mais de 1.700 toneladas de mandioca", diz Donalvam.
 
O último elo nessa cadeia considerada de sucesso até aqui vem da Emater, que atua na organização dos produtores rurais que têm interesse em aderir ao programa. É a Emater a responsável por levar as informações necessárias sobre os pré-requisitos. “Nosso papel é promover o desenvolvimento e a inclusão produtiva dos produtores da agricultura familiar. Vemos os resultados desse programa de forma muito positiva. Ele começou com 700 toneladas e hoje já temos a perspectiva de comercializar mais de 7 mil toneladas”, analisa o presidente da Emater, Pedro Leonardo de Paula Rezende.
 
O próximo passo da Emater, segundo o presidente, visa a ampliação. “Nossa perspectiva é que possamos instituir o programa de melhoramento genético da mandioca nas estações experimentais que mantemos. Nosso objetivo é desenvolver cultivos mais produtivos e espécies mais adaptadas ao Estado de Goiás. Queremos disponibilizar estas mudas para os produtores da agricultura familiar para que possam comercializar com melhor qualidade e maior quantidade”, conclui. 

Para fazer o cadastro para integrar o projeto, clique aqui



Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351