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Adoção: um novo início

Adoção homoafetiva em Goiás enfrenta barreiras e preconceitos

| 27.08.12 - 18:10
Catherine Moraes

Goiânia - Quase 1.600 casais homossexuais foram declarados em Goiás pelo Censo 2010, mas nenhum pedido de adoção conjunto tem registro junto ao juizado da Infância e Juventude da capital. O principal motivo é identificado tanto pela Comissão de Direitos Homoafetivos da OAB-GO quanto pela coordenação do Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Goiânia (GEAAGO), como sendo o preconceito. Em Goiás, somente cinco casos de adoção por casais homossexuais foram efetivados. Entidades afirmam que a adoção costuma acontecer de outras formas: apenas um dos pretendentes entra na lista como sendo solteiro(a) e aí não é possível identificar a orientação sexual do companheiro; ou ainda o casal opta pela adoção dirigida, considerada ilegal.

A falta de leis e o déficit de especialistas na área em Goiás chamou a atenção da advogada Chyntia Barcellos, responsável pela criação da Comissão de Direitos Homoafetivos da OAB-GO, que tem pouco mais de um ano. "Escolhi essa área porque sempre fui apaixonada pelo direito de família e pelas novas tendências do Direito. Eu comecei estudando mediação de conflitos e descobri os casais homossexuais. Por uma questão de falta de lei, a mediação é muito sugerida nesses casos. Eu levei adiante essa especialidade, abri os caminhos na OAB para que tivesse uma comissão de direitos homoafetivos. Primeiro, tive um grupo de trabalho dentro da Comissão de Direitos Humanos e depois a OAB aprovou a Comissão", recorda.


 Presidente da Comissão de Direitos Homoafetivos da OAB-GO, Chyntia Barcellos (Foto: André Saddi)
 
A advogada acredita que as procuras deixam de acontecer pelo medo de se mostrar e não conseguir o filho. "Tudo nessa área ainda é muito recente, muito inovado, mas a minha posição é otimista. Ainda assim, não podemos esquecer do preconceito. A Justiça é formada por pessoas e 'Cada cabeça uma sentença'. Ainda esbarramos com juízes preconceituosos, mas hoje temos a decisão do STF que resguarda o cidadão. Em caso de a união não ser reconhecida e os direitos negados, o cidadão pode recorrer. Por outro lado, a adoção depende da pessoa ir, mostrar a cara e quando ela sabe que o juiz ainda não é receptivo, ou talvez até seja, mas recebeu a informação errada, ela deixa de ir", acredita Barcellos.
 
Adoção dirigida
A adoção dirigida é cultural e, segundo a diretora-executiva do GEAAGO, Vera Lúcia Cardoso, acontece com frequência na capital por vários tipos de casais, incluindo homossexuais. Segundo ela, recentemente foi procurada por um casal homoafetivo que está com medo de perder a criança. “O que sabemos é que temos muitos advogados que ganham dinheiro para dar a seguinte orientação: fique com seu bebê até ele completar três anos, depois procure o juizado. Isso porque se pede então adoção por vínculo afetivo. Mas esse radicalismo faz com que a lei seja burlada de outra forma. Isso é ruim pra criança porque ela não pode ser colocada na creche, num plano de saúde, não pode viajar, enfim, é um tema polêmico. Muita gente não faz por maldade, é um costume, nem sabe como funciona o processo de adoção”, afirma.

A vida com duas mães
Se amor de mãe é mesmo incomparável, Hulk e Gata (nomes fictícios escolhidos pelas crianças) tiveram muita sorte, porque eles têm duas. Irmãos biológicos, eles foram adotados por Ana Luiza Vilela e Elisabeth Santos, companheiras há 12 anos, desde a faculdade e pioneiras na adoção homoafetiva em Goiânia. A primeira adoção foi a de Hulk, quando ele ainda tinha dois meses. Como o juizado era mais conservador, preferiram entrar como pessoa solteira no processo, apenas Elisabeth.

“Já estávamos juntas há cerca de seis anos quando resolvemos falar sobre adoção. Eu já tinha desistido da ideia, porque não acreditava na possibilidade de conseguir um filho. Mas, a Ana Luiza entrou em contato no juizado para saber sobre os procedimentos. No outro dia, ela praticamente me arrastou até lá. A Ana Luiza achou, na época, que eu teria mais chance pelos seguintes motivos: ser funcionária pública federal, ser mais velha e por a casa estar em meu nome. Hoje a gente sabe que esses motivos não nos dão vantagem sobre a adoção; eles apenas nos dão um apoio maior, porque temos estabilidade e condições financeiras normais pra cumprir os direitos e deveres do Estatuto da Criança e do Adolescente”, recorda Elisabeth.


Ana Luiza e Bete, juntas há 12 anos, adotaram duas crianças (Foto: Arquivo pessoal)
 
 
Elisabeth recorda que, depois de concedida a guarda provisória de Hulk o medo da perda era imenso. “Foram dias e meses de felicidade infinda, mas também de uma dor lacerante pelo medo assombrado da perda. Nossos sentimentos extremos estavam em uma balança, ora um lado pendia, ora outro". Ela conta que o medo era de que fosse descoberto a relação homoafetiva, que não foi declarada no processo judicial. 
 
Dois anos e nove meses depois foi a vez da Gata, mas desta vez, juntas no processo. Elas não se casaram, mas fizeram em cartório a Declaração Pública de União Homoafetiva, para compor o processo de adoção da filha, que foi a primeira adoção homoafetiva em Goiânia. “Menos de dois meses depois a nossa advogada entrou com o pedido para que o "Hulk" também fosse adotado pela Ana Luiza. E assim foi feito. Os dois têm duas mães no registro de nascimento”, conta.

A menina fez seis anos semana passada, e o menino, sete, em abril. São de uma inteligência espantosa. Orgulhosa, Elisabeth diz que a menina é ambidestra, e quer ser pediatra, além do talento natural para cantar. Já o garoto, adora ferramentas e tecnologia, quer ser engenheiro e ama dançar o "tchu tcha tcha".

Preconceito
Mas as coisas não são tão simples e Elisabeth diz que sempre sofreu preconceito, desde a infância. “A Ana Luiza nunca sofreu, talvez porque ela não parece ser homossexual. Eu, tá na cara (rs)”. No quesito adoção, entretanto, diz que felizmente o preconceito não aconteceu, pelo contrário, diz que passou a ser tratada melhor depois que se tornou mãe.

“Somos bem vistas por nossos vizinhos, que nos recebem em suas casas, e nos tratam normalmente, como tratariam qualquer casal e seus filhos. Moramos num bairro periférico, nossos vizinhos são todos trabalhadores como nós. Nossos filhos são amigos dos filhos dos vizinhos, vão pra casa deles, assim como os filhos deles vão brincar em nossa casa. Enfim, tudo gira em torno da normalidade”, garante Bete.

A mamãe conta ainda que consegue conversar abertamente com as crianças e falam abertamente sobre o fato de serem adotivos e terem duas mães. "Eles são muito tranquilos em relação aos fatos. São questionadores e bons de respostas. Até pouco tempo achavam que por ter duas mães, deviam ter dois pais também”, conta. Para Bete, o desejo era de ter mais filhos, mais o processo não é tão simples. Recomenda ainda que, apesar das barreiras, outros casais homoafetivos lutem pelo desejo de constituir família. 

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