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Projetos

Distrito de inovação é nova aposta para recuperação do Centro de Goiânia

Iniciativa reúne gestão pública e startups | 29.06.25 - 08:00 Distrito de inovação é nova aposta para recuperação do Centro de Goiânia Alguns locais do Centro de Goiânia evidenciam degradação (Foto: divulgação)Samuel Straioto

Goiânia - Após décadas de degradação e dez projetos de revitalização frustrados em 25 anos, o centro de Goiânia pode ter uma nova chance de recuperação. Desta vez, a estratégia é diferente: em vez de apenas reformar prédios e praças, o governo estadual aposta na criação de um distrito de inovação e inteligência artificial para ocupar e dar vida ao coração da capital.

A iniciativa, articulada pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) em parceria com o Porto Digital de Recife e o Hub Goiás, ainda está em fase de estudos, mas já desperta interesse de empresas de tecnologia. O projeto busca transformar uma região historicamente abandonada em um ambiente favorável para startups, universidades e investidores.
 

(Foto: divulgação)
 
"O centro de Goiânia está deixando de ser visto apenas como um território de desafios urbanos para se tornar um território mais de oportunidades", avalia Jade Caiuá Campos Lemos, líder de inovação na área de inteligência de negócios e ecossistemas de inovação do Hub Goiás, em entrevista à reportagem do jornal A Redação
 
Modelo de Recife
O projeto tem como referência o Porto Digital de Recife, que há mais de 20 anos transformou uma área histórica degradada em polo tecnológico reconhecido internacionalmente. A estrutura pernambucana fatura quase R$ 700 milhões em startups e empresas de tecnologia.
 
A experiência será adaptada ao contexto goiano com auxílio de Cláudio Marinho, engenheiro idealizador e articulador do Porto Digital, e Sílvio Meira, presidente do Conselho de Administração do Porto Digital e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A consultoria desses especialistas é vista como fundamental para evitar os erros que marcaram as tentativas anteriores de revitalização.
 
O distrito goiano pretende reunir empresas de base tecnológica, startups e centros de pesquisa em uma região específica, seguindo o modelo que fez de Recife referência nacional em inovação urbana.
 
Hub Goiás: articulador do ecossistema
O Hub Goiás, instalado no Setor Leste Universitário em um espaço de 2 mil metros quadrados, assumiu o papel de articulador do ecossistema local e será peça-chave na implementação do distrito. Em apenas um ano de funcionamento, a iniciativa promoveu apoio a 123 novos negócios inovadores e sediou mais de 300 eventos, consolidando-se como o primeiro Centro de Excelência em Empreendedorismo Inovador público da Região Centro-Oeste.
 
"O distrito representa um esforço de política pública, de planejamento urbano e de articulação entre setores público e privado", explica Jade, que coordenou o primeiro mapeamento do ecossistema de inovação de Goiânia – trabalho pioneiro no Brasil, inclusive traduzido para o mandarim.


Jade Caiuá Campos Lemos, líder de inovação do Hub Goiás (Foto: divulgação)
 
A proposta baseia-se no conceito de "quádrupla hélice", articulando governo, sociedade civil, empresas e universidades. O mapeamento realizado identificou players públicos e privados, comunidades e parcerias entre estado e município, criando uma base de dados para orientar as ações do futuro distrito.
 
"O papel do HUB Goiás dentro desse processo tem sido justamente essa articulação em conexão com as oportunidades", destaca Jade. A localização estratégica, próxima a secretarias, universidades e centros de poder, facilita a democratização do acesso à inovação e serve como laboratório para as ações que serão replicadas no distrito central.
 
Embora ainda não haja cronograma definido, o projeto já delimitou o espaço geográfico que abrangerá o centro histórico e está realizando entrevistas com stakeholders considerados estratégicos para mapear necessidades e oportunidades.
 
Potencial de diversificação econômica
Entre as empresas que demonstram interesse pela iniciativa está a Morada.ai, startup especializada em inteligência artificial para o setor imobiliário que exemplifica o tipo de negócio que o distrito pretende atrair. A empresa recebeu investimento de R$ 6 milhões e estabeleceu Goiânia como um de seus hubs de expansão, atendendo mais de 100 mil clientes mensalmente no segmento de vendas imobiliárias.
 
"Quando você tem empresas de tecnologia florescendo, você tem uma economia que é limpa, ela é atrelada a profissionais com salários mais altos", explica Luís Veloso, COO da Morada.ai.
 
Para ele, iniciativas como o distrito são fundamentais para diversificar a economia local, tradicionalmente focada no agronegócio e construção civil, setores sujeitos a oscilações de mercado.
 

Luís Veloso, COO da Morada.ai. (Foto: divulgação)
 
A empresa utiliza inteligência artificial conversacional para automatizar processos de vendas no setor imobiliário, oferecendo uma estrutura onde clientes podem conversar, enviar áudios e fotos, sendo atendidos de forma automatizada. "É algo que produz aqui em Goiânia, mas pode ofertar serviços para o país inteiro", destaca Veloso, evidenciando o potencial de exportação de serviços tecnológicos.
 
Veloso, que participou do ecossistema do "São Pedro Valley" em Belo Horizonte – uma concentração espontânea de empresas de tecnologia que se tornou referência mineira –, vê paralelos com a proposta goiana. "As regiões têm que ser pontos de encontro de pessoas que têm experiências semelhantes. Quando você promove isso, as empresas também florescem", observa.
 
Vantagens estratégicas do centro histórico
A escolha do centro histórico, apesar dos problemas de degradação urbana, oferece vantagens logísticas e econômicas que outras regiões da cidade não possuem. "Os centros às vezes ficaram degradados, mas é uma área onde toda a infraestrutura urbana surgiu dali", pontua Veloso. "Se você revitaliza esse centro, você vai gastar menos construindo infraestrutura urbana para fora."
 
A região concentra linhas de transporte público, avenidas principais e proximidade com universidades, órgãos públicos e centros de decisão. "Essa questão geográfica é um ponto central e focal, porque existe essa democratização justamente por estar no centro", complementa Jade. "Próximo ao setor universitário nós temos secretarias, nós temos universidades, nós temos o Basileu França. Temos o Poder Público, que a poucos quilômetros a gente está no Palácio Pedro Ludovico."
 
Além da infraestrutura física, o centro oferece uma diversidade econômica e cultural que pode ser ressignificada pela nova economia digital. A presença de prédios históricos, equipamentos culturais e uma malha urbana consolidada cria um ambiente único para o desenvolvimento de um distrito criativo e tecnológico.
 
O projeto prevê ainda a transformação da região em um "laboratório urbano de inovação", onde startups possam não apenas se instalar, mas também testar soluções em ambiente real, integrar-se com universidades locais, acessar talentos e participar de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento tecnológico.
 
Articulação acadêmica
A presença da Universidade Federal de Goiás (UFG), com seu curso de Inteligência Artificial em crescente demanda, é considerada crucial para o sucesso da iniciativa e representa um diferencial competitivo em relação a outras regiões do país. "Você não desenvolve tecnologia sem ter uma estrutura universitária robusta", afirma Veloso.
 
O curso de IA da UFG, que registra alta procura e tem formado profissionais especializados na área, oferece ao distrito um pipeline constante de talentos qualificados. "Primeiro que você precisa de mão de obra formada, e aí formar mão de obra do zero é muito difícil", explica o executivo da Morada.ai.
 
Além da formação de recursos humanos, a universidade oferece capacidade de pesquisa e desenvolvimento que poucas empresas conseguem manter internamente. "Você precisa de pesquisa, pesquisa de desenvolvimento. E hoje onde se faz pesquisa são dentro dos centros acadêmicos. Pouquíssimas empresas têm porte grande o suficiente para ter um centro de P&D que seja realmente muito produtivo", complementa Veloso.
 
A articulação academia-mercado é vista como um dos pilares fundamentais do distrito, permitindo que pesquisas acadêmicas se transformem em soluções comerciais e que demandas do mercado orientem linhas de pesquisa. "A academia é um player fundamental, uma estrutura fundamental para você levar esse conhecimento para a sociedade, para a economia", destaca o COO da startup.
 
Lacuna municipa
Apesar da articulação entre governo estadual e iniciativa privada, a participação da Prefeitura de Goiânia no projeto não está clara, representando uma lacuna significativa na governança da iniciativa. A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Inovação e Transformação Digital, comandada pelo secretário Fábio Christino, que chegou a confirmar entrevista, mas não estava disponível para detalhar as iniciativas municipais relacionadas ao distrito.
 
A importância da participação municipal foi destacada pelo próprio governo estadual, que considera a atuação da prefeitura como fundamental para "desenvolver um projeto dessa magnitude", especialmente em relação a impostos e benefícios fiscais que podem ser oferecidos para atrair empresas de tecnologia.
 
A ausência municipal chama atenção considerando o histórico de dez projetos frustrados de revitalização do centro nas últimas duas décadas e meia. Entre as tentativas anteriores estão iniciativas como o projeto Cura (anos 1990), Monumenta (2000), Goiânia 21 (2010) e mais recentemente o projeto de Operação Urbana Consorciada (2018), todos com resultados limitados ou inexistentes.
 
A articulação entre diferentes esferas de governo seria fundamental para superar esse padrão de insucessos, especialmente considerando que questões como zoneamento urbano, licenciamento e tributação municipal são decisivas para a instalação de empresas. Sem a participação ativa da prefeitura, o distrito pode enfrentar os mesmos obstáculos burocráticos que prejudicaram iniciativas anteriores.
 
Perspectivas e desafios
Embora o projeto gere expectativas positivas, especialistas e gestores mantêm cautela diante do histórico de frustrações na revitalização do centro. "Eu acho que a gente está num momento de virada", avalia Jade, mas reconhece que "são várias peças que estão se movendo" e o sucesso depende da manutenção dessa articulação ao longo do tempo.
 
O diferencial desta tentativa, segundo os envolvidos, está na abordagem: em vez de focar apenas em reforma física, a estratégia prioriza a ocupação econômica qualificada como motor da transformação urbana. "A inovação pode ser um fio condutor dessa transformação, conectando desenvolvimento econômico com inclusão social e qualidade de vida", destaca a gestora do Hub Goiás.
 
Outro ponto destacado é a base técnica mais sólida desta iniciativa, com o mapeamento do ecossistema local, a consultoria de especialistas com experiência comprovada e a articulação prévia com stakeholders do setor. "É um movimento coletivo ganhando forma. Não é só um ente fazendo. São vários players que foram consultados para que seja um espaço colaborativo", explica Jade.
 
O cronograma, embora ainda indefinido, já conta com etapas concretas em andamento: delimitação do espaço geográfico, mapeamento de stakeholders e realização de entrevistas com atores-chave. A expectativa é que o distrito se torne referência nacional de inovação urbana, mas o sucesso dependerá da capacidade de superar os obstáculos históricos que impediram as iniciativas anteriores.
 
Entre os principais desafios estão a manutenção da articulação político-institucional ao longo de diferentes gestões, a atração efetiva de investimentos privados, a solução de questões de segurança pública e infraestrutura urbana, e principalmente a criação de um ambiente regulatório favorável que envolva tanto estado quanto município.

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