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João Gabriel de Freitas
Brinquedos adquiridos enferrujados e com emendas nas peças, ausência de atestados que comprovem capacidade técnica e profissional da empresa vencedora da licitação, falta de planilhas detalhadas e projeto básico na disputa do certame (documentos mínimos exigidos pela legislação) e o questionamento do próprio processo licitatório utilizado (Pregão Presencial). São estes os principais pontos levantados no relatório 143440/11, de mais de 150 páginas, resultado da vistoria “in loco” no Parque Mutirama, realizada dia 10 de agosto, pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
A Redação(AR) teve acesso com exclusividade ao documento, assinado pela Secretária de Licitações e Contratos Maria do Carmo de Jesus Gontijo, e pelos engenheiros Vinícius Montrezol, Mariana Diniz Cabral e Marco Aurélio Batista de Sousa (analistas de controle externo). São mais de 150 páginas de alegações e fotos, questionando dois processos licitatórios, ambos vencidos pela empresa paulista Astri Decorações Temáticas LTDA. O primeiro é relativo à prestação de serviços e reforma dos brinquedos, no valor de R$ 890 mil (Lote 01), realizado dia 18 de março de 2010. O segundo, no valor de R$ 28.940.000, diz respeito ao fornecimento e instalação de 29 brinquedos (Lote 02), contrato firmado dia 15 de outubro de 2010.
A vistoria gerou a portaria 468/2011, concluída cinco dias depois da visita ao parque, impulsionada depois de denúncias a respeito da aquisição de brinquedos usados e superfaturamento dos preços. Cada item levantado pelos vistoriadores foi contra-argumentado e defendido pela Secretaria de Compras e Licitações, sendo o processo remetido ao TCM dia 29 de agosto. Nesta quarta-feira (14/09), aguardava parecer do procurador de contas do órgão José Gustavo Athayde que, segundo a assessoria do TCM, ainda não apreciou o documento.
O destino final do processo fica a cargo do conselheiro do TCM Sebastião Monteiro, o Tião Caroço, que apresentará o seu parecer em plenário, cuja expectativa é de que aconteça na próxima semana.
Ferrugens e reparos
No primeiro item da vistoria, denominado Das Contratações, os técnicos do TCM relatam que em março não havia nenhum brinquedo instalado. Grande parte sequer havia sido entregue. Das 29 atrações licitadas, apenas 9 foram vistoriadas. Destes, o único novo era o Dumbinho. Os demais – Ferrovia (Trem)/Estações, Mini Montanha (Happy Moutain), Roda Gigante, Carrossel, Barca, Montanha Russa (Super Jet), Bicho de Seda e Tele Combate (carrossel elevatório) – todos usados.
Objeto de polêmica, a Montanha Russa (Super Jet) foi retratada no relatório como apresentando “diversos sinais de ferrugem, emenda de peças e alguns pontos de reforço em sua estrutura, ainda em fase de testes e raparos”. Quanto aos demais brinquedos, que ainda serão reformados pela empresa Astri, “aparentam estar bem mais danificados do que outros”, destaca o relatório.
Em agosto, o secretário Municipal Esporte e Lazer, Luiz Carlos Orro, alegou que o edital prevê a compra de “novos brinquedos”, não sendo estes necessariamente “brinquedos novos”. No entanto, o relatório destaca:
“Não há previsão no edital, bem como nas propostas de preço, de que algum brinquedo licitado poderia ser usado, muito menos a data de fabricação e/ou outras especificações capaz de indicar de que se estava licitando a aquisição de brinquedos usados. Há tão somente uma mera menção na cláusula 28.2 do edital: `Na eventualidade da indisponibilidade do equipamento sem uso, qualquer equipamento somente será recebido se entregue revisado, reformado e em absoluta conformidade dos quesitos de segurança, funcionamento e aparência impecável’. Tal previsão, quase escondida, não atende o critério objetivo que deve guiar toda a licitação. A descrição do objeto deve ser clara, não se admitindo qualquer dubiedade quanto ao estado do que se está licitando. Ou se licita bens móveis usados, ou se licita bens móveis novos. O preço de qualquer produto só é possível ser cotado ou ser proposto caso se defina a sua natureza, sem subterfúgios”.
Qualificação
Outros pontos que também se tornaram evidentes e que sugerem a ilegalidade da licitação são elencados no seguinte subtítulo: Exigências de Qualificação Técnica e Impedimentos da Licitação. São ressaltados a necessidade atestados e experiência com projetos semelhantes ao parque, exigidos no edital mas não atendidos. Um dos motivos seria a recente criação da empresa, formada apenas seis meses antes da abertura da licitação.
O primeiro deles (item 8.4.1.1 do edital) trata da necessidade de atestados que comprovem que a empresa tenha executado serviço semelhante ao que concorre na licitação. Em suma, que tenha prestado serviços de manutenção e reforma de brinquedos similares ou mesmo fornecido brinquedos para outro parque. Por mais fundamental que tal obrigação possa parecer, os vistoriadores se depararam com a falta de documentos, fornecidos pela Astri, que comprovem experiência em serviços de manutenção de brinquedos. Quanto ao Lote 02, faltou demonstrar o fornecimento anterior de pelo menos 30% do que se licitou no caso do Mutirama.
Conforme rebateu a Secretaria de Compras e Licitações, a comprovação de experiência da Astri se dá não pelo histórico da empresa, mas dos diretores e funcionários que a compõe, alguns no ramo de parques de diversão há mais de 30 anos.
No mesmo capítulo, questionou-se ainda a capacitação técnico-profissional da Astri na data da abertura da licitação. Na época, a empresa apresentou em seu quadro de funcionários o arquiteto e urbanista Waldir do Amaral. No entender da vistoria, a empresa venceu a disputa mesmo sem cumprir a exigência, pois a capacitação profissional para recuperação de brinquedos (Lote 01), deveria ser Certidão de Engenheiro Mecânico ou Técnico em Mecânica, conforme a Lei 5.194/1996. No texto do relatório, “portanto, a empresa contratada não poderia ter sido habilitada”, aponta.
O modelo de licitação empregado - Pregão Presencial – conforme já havia sido divulgado pelo Jornal A Redação, é visto com mais agravo devido a falta de planilhas e custos de cada brinquedo/equipamento, conforme estabelece a Lei de Licitações. O certame foi definido sem as devidas planilhas, muitas integradas agora ao projeto e reentregues no TCM, no dia 29.
Quanto à compra e instalações dos brinquedos, a ausência é do próprio projeto básico, obrigatório em todo o processo licitatório. O relatório retoma um parecer da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), que defende o modelo de licitação para a compra dos brinquedos pois o objeto não se trata nem de serviço e nem obra de engenharia. Conforme o Seinfra, a estrutura do parque acompanha o principal, os brinquedos, que prepondera sobre o serviço, não sendo necessário o projeto básico, mas apenas o preço global da aquisição.
No entanto, não é este o entendimento dos vistoriadores, que citam instalações em que a estrutura se sobressai. “Em diversos itens do Lote 02, percebe-se claramente que o serviço/obra de engenharia prepondera sobre o brinquedo propriamente dito”, e elenca:
Brinquedo Casa Mal Assombrada, com serviço de engenharia em R$ 1,13 milhões, referente a 69,14% da atração. Outros são mais emblemáticos, como o Palácio Alhambra (Barcos/Boat), com engenharia de R$ 2,09 milhões (97,87% do brinquedo); Splash, com engenharia a R$ 495 mil (97,06% da obra); além da fachada principal do parque, a qual “todos os itens relacionados a engenharia não têm nenhuma relação com fornecimento de brinquedos”.
Conforme cálculo dos vistoriadores, 42,08% da obra referente ao Lote 02 (um montante superior a R$ 12 milhões), tratam-se de obras de engenharia. Um novo cálculo foi realizado pela Secretaria de Compras e Licitações, sendo que apenas 14% dos recursos ficaram a cargo de engenharia, 12% de serviços e o restante referente à compra dos brinquedos.
Projeto básico
Ainda assim, conforme o relatório “Esses subitens necessitam de Projeto Básico, não podendo de forma alguma serem licitados apenas com descrições no termo de referência, como foi feito”. Consta no documento: “As especificações de cada item foram insuficientes. Existem várias possibilidades de fornecimento do equipamento, com maior ou menos resistência”. A presença do projeto básico, conforme o artigo 7 da Lei 8.666, é tratado como “imprescindível para que se realize a licitação”. Como posicionamento conclusivo, pontua a vistoria:
“A não apresentação de documentos mínimos necessários que pudessem subsidiar a realização da licitação, em virtude da não existência de projeto básico referente aos serviços/obras de engenharia contemplados no Lote 02; a não existência de orçamento detalhado em planilhas que expressam a composição de todos os seus custos unitários no Lote 01; e a não caracterização e especificação dos brinquedos/equipamentos a serem adquiridos configuram não observância, no processo licitatório, das formalidades determinadas pela Lei 8.666/1993. Tais fatos enquadram-se na fixação prevista no artigo 47-A, Inciso XVI, da Lei 15.958/2007, o que já sugere imputação de multa. Assim, esta secretaria sugere a aplicação de multa ao ordenador da despesa em virtude das irregularidades citadas”
O relatório ainda faz referência a dois pareceres contrários à licitação, formulados em 2010 pela Divisão de Fiscalização de Obras da Controladoria Geral do Município. Na época, o controlador era Andrey Azeredo, chamado em 2011 para assumir a Secretaria de Compras e Licitações.
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